Ficou para esta quarta (25/06) a votação do relatório da CPI do Sistema Carcerário, adiada desde a semana passada. O grande ponto de divergência entre os parlamentares em relação ao documento é o pedido de indiciamento de autoridades ligadas à atividade penitenciária. Cedendo a pressões, o deputado Domingos Dutra (PT-MA), relator da comissão, diminuiu a lista de mais de 40 para 32 pessoas que deverão ser responsabilizadas por episódios pontuais de desrespeito aos direitos básicos dos detentos Brasil afora. O relatório pede ainda ao Ministério Público dos estados que ajuíze ação civil pública contra todas as unidades da federação pela falência dos presídios ; não se sabe quais punições poderiam ser eventualmente impostas aos estados.
O único modelo apontado como padrão pelos parlamentares, as unidades federais de segurança máxima, já recebe demanda maior que a oferta de vagas. Isso porque, das quatro penitenciárias federais prontas, apenas duas estão em funcionamento ; a de Catanduvas (PR) e a de Campo Grande (MS). Cada uma tem capacidade para abrigar 208 presos, mas trabalham com uma média de 160 para ter condições de atender a alguma demanda emergencial. Ou seja, a folga é de aproximadamente 50 vagas nas duas unidades. Atualmente, entretanto, existem cerca de 500 pedidos, por parte dos estados, de transferência de presos para as penitenciárias de segurança máxima. ;Considerando essa fila de espera, já temos déficit no sistema federal, que não iria suportar (se todos fossem transferidos);, reconhece Maurício Kuehne, diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça. Ele ressalta, porém, que nem todos os presos candidatos a ocupar uma vaga nas penitenciárias especiais se enquadram nos critérios necessários.
As duas unidades já erguidas, mas ainda paradas, em Porto Velho (RO) e Mossoró (RN), precisam de funcionários para entrar em operação. Até agora, porém, o Ministério do Planejamento não criou sequer as vagas de agente penitenciário para os dois presídios. Após a criação das vagas, a pasta tem que autorizar a realização do concurso. Depois da seleção feita, os aprovados ainda passam por um treinamento. Esse trâmite todo não demora menos de um ano. No caso da quinta e última penitenciária nos planos do governo federal, a escolha do local ainda está sendo feita. Brasília ou o Entorno sediará a unidade. Mas não se sabe ainda onde, exatamente, ela será construída. ;Estamos analisando o melhor local. Talvez na própria Papuda ou em alguma cidade próxima;, diz Kuehne.
Vídeo ;educativo;
Bons exemplos das unidades federais à parte, o vídeo apresentado pela CPI do Sistema Carcerário mostrou uma rotina de horrores nos presídios dos 19 estados visitados pelos parlamentares. Presos dormindo em pocilgas ou recebendo a refeição dentro de sacos plásticos foram alguns dos flagrantes feitos pelos deputados. Em um presídio de Porto Velho (RO), outro exemplo de desumanidade. Uma mulher, mãe de quatro crianças, estava presa havia 10 dias por não ter pago dois meses de aluguel, uma dívida de aproximadamente R$ 400. Em Minas Gerais, um detento com o rosto em carne viva mostrava a creolina, usada para desentupir bueiros e matar carrapatos de animais, como o remédio receitado pelo médico. Dentistas que, pagos pela rede pública, cobram pelos serviços dentro das cadeias são outro tipo de abuso verificado.
Das 32 pessoas que serão indiciadas pela CPI, caso o relatório seja aprovado hoje sem modificações, há promotores, juízes, delegados, defensores públicos, agentes penitenciários, diretores de estabelecimentos, entre outras autoridades. ;São casos em que ficaram flagrantes a omissão e prática de crimes;, destaca Dutra. Só no Pará, serão 10 indiciados por conta do episódio da menor de idade presa com homens numa cela, no município de Abaetetuba. No Piauí, também serão responsabilizados servidores públicos que tentaram ludibriar a CPI, retirando de uma cela, durante a visita dos deputados, presos que haviam sido torturados. Desconfiados do fato de o presídio ter uma cela vazia, em meio à superlotação, eles voltaram à unidade prisional à noite. E verificaram que a cela, sem iluminação, abrigava detentos machucados.
Ouça podcast: Domingos Dutra (PT-MA), relator da CPI do Sistema Carcerário
Ranking
Com exceção da Penitenciária Federal de Catanduvas, construída e administrada pelo governo federal, a CPI não encontrou ;presídios-padrão;. Mas elencou os piores e melhores dentro da duríssima realidade brasileira:
Entre os piores
Presídio Central de Porto Alegre (RS)
Colônia Penal Agrícola de Campo Grande (MS)
Distrito Policial de Contagem (MG)
Delegacia de Valparaíso (GO)
52; Delegacia de Polícia de Nova Iguaçu (RJ)
50; DP de Duque de Caxias (RJ)
Presídio Lemos de Brito, em Salvador (BA)
Presídio Vicente Piragibe (RJ)
Presídio Aníbal Bruno, em Recife (PE)
Penitenciária Urso Branco (RO)
Complexo Policial de Barreirinhas (BA)
Com condições um pouco menos precárias
Associação de Proteção e Assistência ao Condenado
de Belo Horizonte (MG)
Presídio Feminino Ana Maria do Couto, em Cuiabá (MT)
Penitenciária da Papuda, em Brasília (DF)
Penitenciária de Dênio Moreira Carvalgo, em Ipaba (MG)
Centro de Detenção Provisória, em São Luís (MA)
Penitenciária de Segurança Máxima, em Viana (ES)
Penitenciária Feminina de São Paulo (SP)
Bom, mas nem tanto
Entre as penitenciárias apontadas como as melhores, das cerca de 60 unidades visitas pela CPI do Sistema Carcerário, está a Papuda, no Distrito Federal. Apesar de figurar entre aquelas com melhores condições, o problema de lotação é flagrante no presídio. Faltam cerca de 2 mil vagas, de acordo com o relatório da CPI. Por isso mesmo um complexo vazio dentro da Papuda surpreendeu os deputados. São celas bem cuidadas, com capacidade para abrigar 500 detentos, não utilizadas porque faltam agentes carcerários. ;Mesmo as unidades apontadas como as melhores estão longe de serem padrão;, afirma Neucimar Fraga (PR-ES), presidente da comissão que investigou a situação dos presídios no país.
O relatório chama a atenção para o total descumprimento da Lei de Execuções Penais, que determina os direitos e deveres dos presos no Brasil desde 1984. Acesso à educação e à saúde, preconizado pela legislação, é raridade dentro do cárcere. Cerca de 80% dos detentos no país não trabalham. Mais de 40% cumprem prisão provisória, aguardam julgamento dentro da cadeia. Dos sentenciados, 30% poderiam estar livres, caso tivessem acesso à assistência jurídica. ;Podemos dizer que, literalmente, presos são tratados pior do que porcos;, diz o relator da CPI, deputado Domigos Dutra (PT-MA), referindo-se à Colônia Penal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde detentos dormem em chiqueiros. (RM)