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Fanatismo atinge crianças no Amapá

Alegando submissão ;às leis de Deus;, casal de Macapá impede os cinco filhos de freqüentar a escola, de tomar vacinas e de qualquer contato com outros meninos e meninas. Ministério Público avalia situação

postado em 26/06/2008 09:23
A menos de um mês do aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completará 18 anos em 13 de julho, um caso flagrante de desrespeito aos direitos infantis chegou à Justiça do Amapá. Cinco irmãos, com idade entre 11 meses e 7 anos, são proibidos pelos pais de freqüentar a escola. Eles nunca foram a um médico nem tomaram as vacinas obrigatórias. Não sabem o que é televisão, desconhecem a alegria de brincar com outras crianças e vivem isolados em um sítio em Fazendinha, bairro pobre de Macapá.

O pai, M.A.S, e a mãe, D.S.T.F, foram denunciados há 15 dias pelo Ministério Público por violar o direito à educação, lazer e saúde dos menores. A identidade do casal permanece resguardada pelas autoridades para evitar que as crianças sejam identificadas. Em audiência na Promotoria da Infância e Adolescência, o pai alegou que cria os filhos ;dentro das leis de Deus;. Mas não soube dizer o nome da religião à qual pertencem. ;Ele diz que tem como base a Bíblia e só, é uma espécie de seita. A crença teria começado a ser pregada pelo pai dele, avô das crianças, no Maranhão, de onde a família veio;, conta o promotor Mauro Guilherme da Silva Couto, que recebeu a denúncia do Conselho Tutelar e ajuizou uma ação na Justiça.

Couto não pede, num primeiro momento, a retirada da guarda das crianças. ;Minha ação solicita a visita de assistentes sociais, médicos e psicólogos na residência para ver se podemos reverter essa situação. São pessoas simples, que acreditam estar fazendo o bem para os filhos. Entendemos e defendemos a liberdade de crença, desde que isso não acarrete prejuízos a terceiros;, explica o promotor. O juiz da Vara da Infância e Juventude que recebeu o processo ainda não se manifestou. Mas Couto acredita que dificilmente ele pesará a mão com o casal denunciado.

;Até poderia ficar configurado que o pai expôs a vida das crianças ao privá-las de acesso a atendimento médico, vacinas. Mas não acredito que uma ação criminal seja aberta;, diz o promotor. Para a conselheira tutelar Cassandra Guerra, que esteve na residência do casal antes de formalizar a denúncia, é importante que o Ministério Público verifique se as crianças são obrigadas a trabalhar na horta que os pais cultivam dentro da área onde moram. ;Desconfiamos que isso ocorre, então seria mais uma violação, além de todas as outras;, diz Cassandra.

Comportamento estranho

A conselheira descreve o pai das crianças como uma pessoa de poucas letras, mas que sabe se expressar bem. ;Ele usa vestes parecidas com as de evangélicos, aquelas camisas compridas, tem barbas grandes. É educado, não se negou a falar com a gente. A mulher anda com a cabeça coberta, parecendo aquelas pessoas do Afeganistão. Parece ser bem submissa, não fala nada;, descreve Cassandra. Segundo ela, a casa é pouco asseada e não tem eletrodomésticos. ;Ninguém assiste a televisão. Aquelas crianças nunca viram um desenho animado;, diz. No terreno, além da casa, há uma igreja, freqüentada apenas por parentes em visita à família, e uma horta. ;Eles não comem carne e vivem do que plantam, pelo menos foi o que disseram;, conta a conselheira.

O que preocupa Cassandra, entretanto, é o comportamento dos filhos. Segundo ela, são muito sérios e introvertidos. ;Nem parecem crianças. Eles não cumprimentam a gente, não falam nada, só ficam observando;, diz a conselheira. Ela não notou nenhuma debilidade física nos cinco irmãos. ;Talvez eles tenham deficiências nutricionais ou doenças que não ficam muito evidentes, mas acredito que a saúde do corpo está bem. O bem-estar psicológico e emocional, esse sim parece estar muito comprometido;, destaca Cassandra.

Fanatismo
O caso do Amapá não chega a ser uma novidade para William Cesar de Andrade, teólogo dogmático e professor de antropologia da religião na Universidade Católica de Brasília. Mas o nível do fanatismo do casal o assusta. ;Há no Brasil muitos grupos fundamentalistas. Vez por outra sabemos de casos de radicalismos, mas a ponto de não deixar os filhos irem à escola eu nunca tinha visto;, diz o especialista. De acordo com ele, atitudes assim vêm da equivocada crença de que a Bíblia daria todas as fundamentações necessárias para uma vida saudável.

;A Bíblia carece de interpretação. Os evangelhos não são nada além de releituras cristãs sobre a figura de Jesus, não podem ser levados ao pé da letra;, ressalta Andrade. Não há um levantamento sobre a ocorrência de violações de direitos infantis em função de crenças religiosas. Porém, Couto, o promotor da Infância e Juventude que denunciou o caso atual de Macapá, destaca que não são raras as ocorrências.

Há três anos, ele atuou em outro caso, também na capital amapaense, de pais que pertenciam a um grupo evangélico. Invocando o provérbio 22:15 do Antigo Testamento ; que diz mais ou menos assim: ;A insensatez está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a livrará dela; ;, o casal batia violentamente nos filhos. Após a intervenção do Ministério Público, com uma equipe multidisciplinar de psicólogos e assistentes sociais, a brutalidade cessou.

;Pedi ajuda aos pastores dessa igreja para intervirem no caso, a fim de que os pais entendessem como usar a tal vara da disciplina. Deu certo;, conta Couto. A idéia do promotor é atuar da mesma maneira na denúncia atual. Mas o caso parece um pouco mais complicado. ;Está mais difícil porque, como a crença deles se dá dentro de casa, não há pastor acima desse pai que eu possa acionar para nos ajudar;, diz Couto. ;O que nos preocupa, além da violações já sofridas por essas crianças, é que esse pai está formando futuros fanáticos. Assim como o seu pai, avô das crianças, fez com ele;, lamenta o promotor.

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