Escolas com boa infra-estrutura, professores preparados e uma hora a mais na carga horária fazem grande diferença no processo de aprendizagem dos alunos. O que já era uma suspeita foi quantificado pela primeira vez pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ao acompanhar o desempenho de todas as escolas brasileiras de ensino fundamental entre os anos de 1998 e 2005, os pesquisadores Sergei Soares e Natália Sátyro conseguiram avaliar o impacto de cada um destes fatores (insumos educacionais) na redução da defasagem escolar ; um dos maiores problemas do ensino público brasileiro.
;A melhor política educacional é fazer os alunos passarem uma hora a mais na escola;, aponta o pesquisador Sergei Soares. No modelo estatístico criado para a pesquisa, o aumento na carga horária significou a redução de 5,7 pontos percentuais na taxa de distorção série/idade, índice usado pelo censo escolar do Ministério da Educação (MEC) para medir a defasagem escolar.
Em outras palavras, as escolas que ampliaram o tempo de estudo conseguiram acertar idade e turma de pelo menos cinco alunos em cada grupo de cem. ;Dedicar-se mais ao aluno, à superação das dificuldades dele é um dos melhores caminhos para reduzir a defasagem;, completa Sergei Soares. As escolas brasileiras trabalham com uma média de 4,2 horas-aula/dia. Nos países desenvolvidos, a carga horária varia entre seis e oito horas.
Outra boa saída é melhorar as condições físicas das escolas. Nos casos em que houve investimento em infra-estrutura foi possível reduzir a taxa de distorção série/idade também em 5,7 pontos percentuais. A criação de uma simples biblioteca, permitindo o acesso dos alunos aos livros, significou a redução de 1,5 ponto percentual na taxa de distorção série/idade. Mas, nesse aspecto, os investimentos funcionam melhor nas escolas que são mais carentes. ;Quando uma escola passa de péssima para média, o desempenho dos alunos melhora muito. Quando ela vai de boa para ótima, a diferença não é tão grande assim;, explica Sergei Soares.
A influência positiva dos recursos materiais no processo de aprendizagem não é consenso na literatura internacional. Estudos semelhantes feitos em outros países mostram que as melhorias físicas não costumam surtir o efeito esperado no desenvolvimento dos alunos. Os pesquisadores do Ipea atribuem isso às boas condições nas quais já funcionam as escolas de países desenvolvidos. ;Os colégios de lá já estão bem equipados. Infelizmente, a realidade brasileira não é essa. Aqui, ainda temos colégios sem água e energia elétrica;, afirma Sergei Soares.
O retrato da situação
Localizado em Águas Lindas (GO), o Colégio Estadual Rafael de Souza Barbosa é um retrato das escolas brasileiras que funcionam com dificuldades. A escola atende a 800 alunos de ensino fundamental e médio, mas coleciona carências. O colégio não tem cantina, pátio, biblioteca e espaço de lazer. ;Servimos o lanche em 10 minutos, dentro das salas de aula;, lamenta a diretora Marineide Silva do Nascimento, 36 anos, reconhecendo que o procedimento tumultua as aulas. ;Eu mesma, quando era professora, não suportava isso. Os meninos perdem a concentração totalmente.;
No Rafael de Souza Barbosa, as aulas de educação física são realizadas em um terreno ao lado do colégio, em chão coberto por cascalho. Na última quarta-feira, os alunos ensaiavam para a festa junina no local. ;É horrível para eles, mas foi a solução que encontramos. O terreno foi cedido pela proprietária do prédio;, conta a diretora Marineide. ;Não fosse a boa vontade dela, nem isso teríamos;, reconhece.
Outras frustrações para professores e alunos são manter os livros em uma sala trancada e não ter espaço para instalar os 10 computadores que foram repassados pelo governo do estado. ;Não tivemos condições de construir o laboratório de informática, também não conseguimos um funcionário para tomar conta da biblioteca;, reclama a diretora. No Rafael de Souza Barbosa, três em cada 10 alunos estão atrasados em relação à idade.
Aluno do 9; ano, Fabrício Sousa tem 18 anos e, durante sua vida escolar, repetiu de ano quatro vezes. A última delas, no ano passado. Ele atribui o desinteresse pelos livros ao próprio mau comportamento. ;Eu gosto de bagunçar. Mas este ano estou melhor;, afirma. Fabrício tem muita dificuldade em português e justamente essa disciplina está sem professor há três meses.
Para Fabrício Sousa, os maiores problemas da escola são a falta da quadra esportiva e o calor. O Rafael de Souza Barros tem oito salas, mas apenas quatro contam com ventiladores. Os professores dividiram-se em cotas para comprar o equipamento. ;O calor é insuportável. Não gosto de assistir a aula suado;, queixa-se Fabrício que não larga os estudos porque vê neles uma possibilidade de melhorar de vida. ;Qualquer emprego pede o 2; grau, eu tenho de conseguir terminar.;
Clima em sala ajuda
Uma pesquisa feita pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação de Qualidade da Educação, com apoio da Unesco, em 16 países do continente, entre eles o Brasil, apontou o clima em sala de aula como o mais importante fator para o desenvolvimento dos alunos. Criar um ambiente de respeito, aconchego e positividade influencia mais o processo de aprendizagem do que o contexto sócio-econômico em que os estudantes estão inseridos. Para a realização do trabalho que valoriza o papel da educação na superação das desigualdades sociais, os pesquisadores submeteram estudantes da 3; e 6; séries do ensino fundamental a provas de matemática, linguagem (leitura e escrita) e ciências. Além disso, entrevistaram os próprios alunos, os professores, os diretores de escola e os pais para descobrir a relação entre o ambiente em que as crianças vivem e as diferenças de desempenho.
Atraso leva à desistência
Dentro das salas de aula, a defasagem escolar cria dois problemas: dificulta o rendimento das turmas, porque os professores têm de lidar com alunos de diferentes idades, e contribui para que os mais atrasados larguem os livros. De acordo com o último Censo Escolar do MEC (2006), a taxa de reprovação das escolas de ensino fundamental chega a 13%, enquanto o abandono é de 7,5%. No ensino médio, a repetência diminui (11,5% ), mas a desistência dobra (15,5%). Entre os 10 milhões de adolescentes brasileiros com idade entre 15 e 17 anos, mais da metade está atrasada na escola.
Professora de história da escola de Águas Lindas, Carla Fernandes, 31 anos, conta que é comum ter na mesma sala de aula públicos de diferentes faixas etárias. ;Os alunos mais velhos já têm outros interesses. Fica muito difícil prender a atenção deles e dos mais novos ao mesmo tempo;, comenta. Nas últimas turmas do ensino fundamental, há alunos de até 18 anos convivendo com meninos e meninas de 13 e 14. ;Eles são mais difíceis de se controlar e acabam influenciando os mais novos;, relata a professora
Os mais atrasados costumam largar a escola, seja porque ela não parece interessante para eles, seja porque a repetência traz problemas de auto estima. ;O atraso acelera a desistência. Os que estão se tornando adultos acabam achando que a escola não é o lugar deles;, lamenta Sergei Soares. No Rafael de Souza Barros, a desistência chega a 20%.
Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara acredita que a maioria das escolas brasileiras está pelo menos quatro décadas atrasada. ;O modelo de ensino ainda é aquele dos anos 1960. Mas, as crianças e jovens vivem em outro mundo;. Para Daniel Cara, os insumos educacionais que mais influenciam o desempenho dos estudantes são o quadro de professores e os recursos oferecidos pela escola. ;O aprendizado tem de ser uma experiência interessante. E os estudantes têm direito assegurado por lei a vivê-la;, completa o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.