Brasil

Calma aparente nos aeroportos

Um ano depois do maior acidente da história do país, a tranqüilidade nos aeroportos contrasta com os bastidores do tráfego aéreo, que, segundo controladores, ainda enfrenta a falta de profissionais habilitados

postado em 21/07/2008 09:26
As filas de embarque relativamente calmas e os saguões vazios dão a impressão de que muita coisa mudou no setor aéreo brasileiro. Nem de longe os aeroportos lembram o caos instalado durante a crise deflagrada pelo acidente da Gol, em setembro de 2006, e agravada pelo da TAM, em julho do ano passado. No rastro do colapso, ficaram denúncias alarmantes sobre a falta de segurança no ar e promessas anunciadas por autoridades do setor. O cenário mudou, de fato, nos aeroportos, mas nos bastidores do tráfego aéreo, a situação continua a mesma, segundo os controladores. A começar pelo número de profissionais, uma deficiência reconhecida publicamente pelos gestores da época. São cerca de 2.700, contra aproximadamente 2.600 daquele período.

Por meio da assessoria de imprensa, a Aeronáutica esclarece que o número de 2.700 controladores divulgado refere-se a profissionais militares e que, além desses, há controladores civis. Mas não informa de quanto é o contingente adicional. De acordo com a força, foram contratados 600 controladores nos últimos dois anos por meio de concurso público. Entretanto, a saída de muitos profissionais reflete na quantidade ainda deficitária do quadro. Pior: os novatos estariam sendo habilitados de forma apressada, sem a experiência necessária para assumir os consoles, conforme mostram documentos.

A Aeronáutica nega a existência da prática. Afirma que algumas turmas tiveram a formação, que dura dois anos, numa modalidade especial de um ano, mas ressalta que a carga horária foi mantida. Na avaliação de profissionais experientes, o tipo de treinamento é inadequado, pois coloca o aluno em atividade de controle simulado na parte da manhã e da tarde, o que acarretaria queda no aprendizado. A discordância do esquema de treinamento por parte de controladores mais experientes é corriqueira e está registrada em diversos relatórios oficiais da Aeronáutica.

Em um dos ofícios, o sargento Brito, instrutor do 4; Centro Integrado de Defesa e Controle do Tráfego Aéreo (Cidnacta-4), em Manaus, reclama de ter sido informado de que um estagiário sob sua instrução recebeu habilitação para controlar vôos. ;; na minha avaliação, o estagiário, em franca evolução operacional, ainda não reúne, contudo, as condições mínimas necessárias para ser checado e muito menos habilitado, por não ter computado o tempo mínimo previsto de 120 horas de estágio;;, diz o sargento em um comunicado à chefia, datado de maio de 2007.

Advertência
Uma situação semelhante, também em Manaus, levou o instrutor Sérgio Souza a recorrer a um relatório de perigo. Ele descreve que um sargento, identificado como Guedelha, depois de afastado seis meses das funções por ter pedido a habilitação, havia sido reabilitado sem apresentar condições para tal. ;Solicito a reavaliação das cargas horárias dos estagiários, assim como o estágio e o curso do mesmo para posterior habilitação;, destacou Souza no relatório de perigo.

Há situações também em que os próprios controladores, ao serem denominados instrutores, questionam se teriam qualificação. ;; Consultei a IMA 100-18 (legislação sobre licenças e certificados de habilitação técnica para controlador de tráfego aéreo) e verifiquei que infelizmente não cumpro quase nenhuma das exigências que um instrutor deve ter;;, relata um sargento de Manaus, ao se reportar ao chefe avisando, por escrito, que não continuaria na função. O problema, segundo controladores ouvidos pelo Correio, é que boa parte dos quadros mais antigos, e portanto habilitados para serem instrutores, foi afastada das funções pelo Comando da Aeronáutica.

Um levantamento da Federação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo (Febracta) mostra que, do 1; semestre de 2007 para cá, pelo menos 74 profissionais saíram das salas de controle ; uns foram demitidos, outros pediram baixa e há ainda os que continuam na Força Aérea, mas em atividades administrativas. Mais de 90% deles tinham tempo superior a cinco anos de serviço. Os afastamentos, segundo a Febracta, são na maioria fruto de perseguição contra controladores ligados a associações, à paralisação do dia 30 de março do ano passado ou profissionais que deram entrevistas a meios de comunicação.

O número
600
controladores foram contratados nos últimos dois anos por meio de concurso público, segundo a Aeronáutica

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