Brasil

A rapadura é doce e é nossa

Itamaraty vence queda-de-braço com a Alemanha, que reconhece a guloseima como produto brasileiro. Governo listou 5 mil nomes ameaçados

postado em 25/07/2008 09:28

Não foi mole, muito menos doce, a briga pela rapadura. O nome da guloseima tipicamente brasileira havia sido registrado por uma empresa estrangeira, há 19 anos, na Alemanha e nos Estados Unidos, como marca de um açúcar mascavo, que nada mais é que rapadura triturada. Depois que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará denunciou ao Itamaraty o registro indevido do nome tupiniquim lá fora, teve início uma longa negociação que terminou há poucos dias. A firma alemã Rapunzel Naturkost, detentora da marca nos dois países, aceitou a proposta brasileira de registrar o nome composto Rapadura Rapunzel para o produto.

O episódio remete a casos clássicos de usurpação de nomes genéricos, típicos da cultura ou da biodiversidade brasileiras, como marcas registradas lá fora. O açaí, fruta da Amazônia que ganhou notoriedade nos últimos anos, estava registrado no Japão, desde 2003, como marca de propriedade da empresa K.K. Eyela Corporation. Em fevereiro do ano passado, o documento foi cancelado por ordem do escritório de certificação de marcas do Japão, similar ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual no Brasil. ;Imagine que, se essa situação se mantivesse, um brasileiro que quisesse exportar a fruta para o Japão teria que pagar royalties para usar o nome açaí;, ressalta Rodrigo Mendes Araújo, da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty.

Sem acordo
Segundo ele, o país recordista em registrar nomes brasileiros como marcas é o Japão. É lá que ainda corre o processo sobre o guaraná, marca registrada na classe de produtos de higiene pessoal, cosméticos, unhas e sobrancelhas postiças. A empresa detentora do direito de uso, a Mandom Corporation, recusou o pedido brasileiro de desistência voluntária à marca. A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos manifestou interesse em entrar na briga. Outra empreitada japonesa foi a tentativa de registrar patente de um inseticida à base de andiroba, árvore brasileira. Mas o pedido acabou sendo indeferido por falhas no procedimento.

Símbolo da luta contra a biopirataria no país, o cupuaçu teve seu nome registrado como marca pela Asahi Foods, do Japão, em 1998. A mesma empresa tinha patente sobre a fabricação de chocolate de cupuaçu, chamado de cupulate. Ambas foram derrubadas na Justiça japonesa. ;Provamos que ninguém inventou esse tipo de chocolate, que é um conhecimento popular brasileiro;, explica Araújo, do Itamaraty. Em maio passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto designando o cupuaçu como fruta nacional. Mesma coisa fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a cachaça, estipulando os critérios para a aguardente de cana.

Diz o decreto que ;cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48% em volume a 20 graus Celsius e com características sensoriais peculiares;. Esse tipo de determinação, segundo o advogado Pedro Szajnferber de Franco Carneiro, diretor da Associação Paulista de Propriedade Intelectual, é importante para proteger a marca internamente. ;Isso evita que alguém no Brasil decida registrar o nome cachaça para comercializar a bebida;, disse.

Para evitar mais problemas com registros de nomes genéricos brasileiros no exterior, um grupo interministerial elaborou uma lista com cerca de 5 mil nomes típicos verde-amarelos. Constam da relação o umbu, cajá, maracujá, pinhão. A lista foi repassada à Organização Mundial de Propriedade Intelectual, que mantém contato com escritórios de registros de marcas em todo o mundo.

País também recebe reclamações
Engana-se, porém, quem acha que só os nomes brasileiros são registrados indevidamente lá fora. Por aqui também recaem reclamações de outros países, que não aceitam o uso de determinadas marcas. Um dos exemplos mais antigos que ainda está na Justiça é a famosa cachaça Havana, fabricada desde 1943 em Salinas, Minas Gerais.

O imbróglio começou quando a Havana Club Holding ; controlada pela multinacional francesa Pernod Ricard, que comercializa o rum Havana Club no Brasil ; teve a marca registrada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) e questionou, em 2001, a utilização do nome por Anísio Santiago, então dono da fábrica artesanal da cachaça Havana.

Os rótulos tiveram de ser substituídos. Passaram a levar o nome do dono, que morreu em 2002, perto de completar 91 anos. Familiares contam que o velho Anísio ficou tão desgostoso que mandou queimar todos os selos que continham a palavra Havana, nome da simplória propriedade rural onde a cachaça era fabricada. Em 2005, porém, a Justiça concedeu uma liminar permitindo que a família use o termo Havana.

;Voltamos a colocar os rótulos, mas em poucas garrafas. A maior parte sai com o selo Anísio Santiago, que já está firmado no mercado. Temos receio de voltar a usar somente Havana e, ao final do processo, perdermos o direito da marca;, explica Roberto Santiago, um dos sete herdeiros do inventor da cachaça.

A diferença de preços entre uma garrafa selada com um rótulo Havana e uma com Anísio Santiago mostra bem o peso de determinadas marcas. Na fábrica, a Havana sai a R$ 200, enquanto a Anísio fica em R$ 100. ;A cachaça é exatamente a mesma, só por causa do selo muda tanto de valor. Tem gente que liga para isso;, diz Santiago. (RM)

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