postado em 07/08/2008 09:21
Dois anos depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, considerada o principal avanço no combate à violência doméstica, o número de denúncias aumentou até 60% em estados como Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e São Paulo, mas falta muito para a legislação ser implementada integralmente. A discrepância entre o que a lei prevê e a realidade começa no número reduzido ; apenas 49 em 17 estados ; de juizados especializados em agressão contra a mulher. Há 15 defensorias públicas especializadas e 65 abrigos em todo o país. O interesse da população pelo tema, entretanto, cresceu. Mais de 80% dos brasileiros, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) em parceria com a organização não-governamental Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (Themis), vêem com bons olhos a legislação.
Cresceram também os pedidos de informação sobre a lei na Central de Atendimento à Mulher, que atende pelo número 180 no país. Foram 121.424 atendimentos de janeiro a junho de 2008 ; 344,9% a mais que no mesmo período do ano passado. Embora São Paulo seja o estado que mais recorre, em números absolutos, ao 180, o Distrito Federal é o recordista na análise proporcional à população feminina da unidade da federação. A capital registrou, em 2007, 47,3 ligações por 50 mil mulheres. Em seguida vieram São Paulo, com 45,2, Goiás, que teve 35,9 ligações, e Tocantins, com 33,4. Das 124.697 chamadas recebidas pelo 180 no ano passado, 20.050 tratavam de denúncias ou relatos concretos de violência doméstica e familiar. Isso representa 9,8% de todas as ligações do período.
Para a subsecretária de Enfrentamento da Violência, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Aparecida Gonçalves, a simples existência de uma lei que endurece as punições e prevê uma rede de amparo incentiva as vítimas a se livrarem das agressões. ;Elas se percebem como detentoras de direitos. E isso faz muita diferença;, afirma. De acordo com ela, a batalha, junto com entidades não-governamentais, tem sido mobilizar órgãos federais, estaduais e municipais para aplicar efetivamente a lei. ;O ritmo de implantação das varas especializadas ainda é muito lento. Os tribunais alegam falta de estrutura. Mas as perspectivas são boas;, diz.
Juízes contra a lei
A resistência da instância que deveria aplicar a legislação, o Judiciário, mostrou facetas inusitadas nas posturas de alguns juízes. Um deles foi Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas, Minas Gerais. Ele rejeitou todas as medidas contra homens que agrediram suas companheiras, afirmando publicamente que a Lei Maria da Penha é um ;conjunto de regras diabólicas;.
Numa atitude machista, afirmou que ;a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...) O mundo é masculino. A idéia que temos de Deus é masculina. Jesus foi homem;, destacou Edilson. As declarações renderam um processo administrativo contra o juiz no Conselho Nacional de Justiça.
;Ainda que não concorde com a lei, o juiz tem de aplicá-la. O máximo que pode fazer é contestar a legislação;, critica Rúbia Abs da Cruz, advogada e coordenadora da Themis. Ela cita o caso do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que considerou a Lei Maria da Penha inconstitucional. No entanto, antes mesmo de o STF se posicionar, a Advocacia Geral da União ajuizou um pedido de constitucionalidade com argumentos sobre a validade da legislação.
Recentemente, outro juiz, Marcelo Colombelli, de Erexim (RS), adotou postura semelhante, ao afirmar que ;a melhor forma de a mulher se proteger é não escolher homem bagaceiro e pudim de cachaça, pedindo separação ou divórcio, quando preciso, e não perpetuando uma situação insustentável;. O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher publicou ontem uma nota de repúdio às declarações do juiz.
Ouça podcast: Rúbia Abs da Cruz, advogada e coordenadora da Themis