Brasil

Entrevista - Paulo de Argollo Mendes, presidente da Fenam

Novo presidente da Fenam defende carreira de Estado para médicos a fim de melhorar o atendimento

postado em 14/08/2008 09:32

Os 17 anos na emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição ; o maior do Rio Grande do Sul ; levaram Paulo de Argollo Mendes a ser um conhecedor perspicaz da saúde pública no Brasil. A receita para melhorar o atendimento à população, na avaliação dele, passa por uma mudança de mentalidade na gestão do setor, a criação de uma fonte permanente de recursos e de uma carreira de Estado para os profissionais, tal como ocorre com os membros do Ministério Público e do Judiciário. É com essa bandeira que Argollo pretende conduzir, como presidente empossado ontem, a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), que representa os cerca de 3.300 profissionais em atividade no país. Em entrevista ao Correio, ele defende posições polêmicas sobre assuntos ainda não fechados dentro da entidade que representa. Argollo é contrário, por exemplo, à Contribuição Social para a Saúde (CSS), imposto criado após o fim da mal-afamada CPMF, e não concorda com a campanha do governo federal em favor do parto normal.

Saúde é investimento Como seria a criação da carreira de Estado para os médicos? Propomos uma cópia do modelo adotado pelo Ministério Público e pela Justiça. Para entrar, teria de ser necessariamente por concurso público. Não abrimos mão disso. Então, o profissional que entra já sabe que começará a trabalhar num município pequeno, mas que, com o tempo, será promovido, receberá aumentos e avançará no sentido das cidades maiores. Quando o filho desse profissional precise cursar a faculdade, por exemplo, ele já estará num local que ofereça isso. Hoje, quando o município abre um concurso público, geralmente oferece uma remuneração incapaz de levar o médico para lá. Aí faz um negócio com o hospital da cidade ou com uma associação e repassa o dinheiro a esse intermediário, que, por sua vez, pagará o médico. O resultado é que o profissional não cria vínculos com a prefeitura e pode ser substituído sem nenhuma explicação. Faltam médicos na rede pública até dos grandes centros urbanos. Como mudar isso? É preciso criar mais vagas no Sistema Único de Saúde (SUS). Temos uma quantidade grande de médicos. O que faltam são postos de trabalho na rede pública. Defendemos a abertura de mais vagas e uma correção na tabela do SUS, defasada há décadas, para remunerar o médico credenciado. O SUS faz 20 anos em 2008, como melhorar o atendimento precário? O pré-requisito fundamental é uma tomada de consciência de que saúde não é gasto, é investimento. A prefeitura tem que entender que deixar o posto três meses sem comprimido para pressão não é economia, porque o sujeito que tem um problema devido à falta do remédio custará muito mais. Outra medida é garantir uma fonte permanente de recursos ; o setor não pode ficar vulnerável às circunstâncias do governo ;, além de criar a carreira de Estado. Defendemos também um controle sobre o preço dos remédios por parte do governo federal, que há anos está de joelhos para as multinacionais. Essa fonte de recursos é a CSS? Bom, ainda não existe consenso na Fenam sobre o tema. O meu posicionamento, entretanto, é contrário a esse imposto. Temo que, assim como ocorreu com a CPMF, esse dinheiro nunca chegue à saúde. Defendo a emenda 29, que estipula um repasse obrigatório da União para o setor, além de obrigar os governos municipais a fazer esse investimento. O senhor concorda com a campanha pelo parto normal do governo federal? Na minha opinião, não existem razões, hoje, para deixar uma mulher passar pela dor de um parto normal. Essa coisa de demonizar a cesariana pode ser ruim. Isso deve ser uma questão decidida entre médico e paciente. Em um país em que atendemos as pessoas, muitas vezes, no corredor do hospital, dizer que daremos leito privativo a quem preferir o parto natural não é honesto. É comum afirmar que os médicos preferem a cesariana porque não perderiam tempo e ganhariam mais dinheiro. Pelas minhas conversas com os colegas, diria que a grande maioria dos médicos tende, sim, ao parto cesariana. Não por dinheiro, já que o SUS incentiva o parto natural pagando melhor por ele. É claro que é cômodo fazer a cirurgia com hora marcada. Entretanto, essa não é a razão. Sabemos de todas as conseqüências para a mulher, que tem a musculatura do assoalho pélvico esgarçada e isso não volta depois. Tem incontinência urinária, o ovário pode ficar rebaixado. Essa coisa mítica, meio natureba do parto por via baixa deve ser relativizada.

Ouça: trechos da entrevista

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