postado em 17/08/2008 09:27
No velório de Dorival Caymmi ontem, sábado (16/08), na Câmara Municipal do Rio, o caixão estava coberto pela bandeira da Mangueira e por um mar de lírios brancos. Mas a imagem que ficará na memória é a de um homem bronzeado, cabeça e bigode muito brancos, olhos de cor indefinível e sorriso colado no rosto. O enterro hoje à tarde, no cemitério São João Batista, em Botafogo, será um desfile dos muitos artistas que influenciou ao longo de 60 anos de carreira. A eternidade de sua obra, porém, será um elixir para a dor.
O que é que Dorival tem? ;A obra, a música e a genialidade dele são indescritíveis;, interpretou a cantora Maria Bethânia. ;É um mestre para o todo o povo brasileiro;, entoou a cantora Gal Costa. ;Eu tive a benção de crescer ouvindo suas canções como quem bebe a água mais fresca e come a comida mais gostosa;, saboreou o cantor e ex-ministro da Cultura, o também baiano Gilberto Gil. ;Ele era um artista fundamental e um amigo muito querido;, disse Chico Buarque. ;É pedra fundamental da música popular brasileira;, resumiu Daniela Mercury.
Músicos como Wagner Tiso, autores como Glória Perez e Gilberto Braga, e alguns anônimos compareceram ao velho palácio. A família, que começou a se reunir ontem para o ritual de despedida, contou que o músico, que tinha sete netos e cinco bisnetos, estava preocupado com a saúde da mulher, com quem viveu por 68 anos, internada desde 29 de abril com problemas cardíacos e há 10 dias em coma. ;Ele entrou numa monotonia muito grande, desistiu de tudo. Como Romeu e Julieta;, comparou a filha Nana.
Emoção
Caçula de Dorival, o cantor, compositor e flautista Danilo Caymmi não escondeu, mesmo ciente do grave estado de saúde, a tristeza provocada pela perda do pai. ;Estou bastante emocionado. A família, na verdade, estava um pouco esperando por isso porque ele lutava contra um câncer desde 1999. Infelizmente, veio a falecer em conseqüência disso;, disse o artista, poucas horas depois de receber a notícia, dada por um dos familiares.
Em entrevista exclusiva ao Correio, cedida no saguão do Hotel Kubitschek Plaza, poucas horas antes de partir para o Rio de Janeiro, Danilo, que fizera um show em Brasília, na sexta-feira, recordou os últimos momentos ao lado do pai. ;Uma das últimas coisas que ele falou para mim, com relação à família, e que a gente está honrando, era: paz e tranqüilidade. Acho que eu e a Nana estamos controlando bem a situação neste momento de dor;, destacou ele, informando que o outro irmão, Dori, que mora em Los Angeles, já estava regressando ao Brasil a tempo de acompanhar o enterro neste domingo. Com semblante bastante cansado e triste, porém sereno, o músico disse que a relação com o pai era bem próxima e que seu jeito tranqüilo o acalmava diante das decisões profissionais. ;Eu escrevi músicas com ele também. Desde garoto e, mesmo depois, quando iniciei como compositor, qualquer dúvida que eu tinha com respeito ao show business ou ao dia-a-dia do compositor eu o procurava;, recordou. ;Ele me acompanhava sempre.;
Danilo contou ainda que, há pouco mais de três semanas, mexendo nas coisas do pai, encontrou vários ;rabiscos; escritos pelo autor de O que é que a baiana tem e A preta do Acarajé. Um em especial o tocou. ;Era uma frase assim, como se fosse um hai kai japonês: ;Passo a passo, passando, passo;. Diz tudo porque revelava bem o que ele pensava da vida;, frisou, emocionado.
Outro ponto lembrado por Danilo foram as grandes amizades cultivadas pelo pai, em especial, com o escritor Jorge Amado, com quem escreveu o hino É doce morrer no mar. ;Tive o privilégio de conviver com esses grandes amigos dele, Jorge Amado, que foi uma perda muito grande não só para ele, mas para nos também e que ele realmente sentiu muito. Acho que o papai sentiu muito a perda dos amigos, porque as pessoas vão ficando idosas e perdendo os amigos, como o Fernando Lobo e o Antônio Maria;, acrescentou.
Compositor de cerca de 100 músicas, Dorival Caymmi teve oportunidade de ouvir suas canções nas vozes dos principais intérpretes do país. ;Agora o que a gente vai fazer é preservar essa memória, esse repertório, que é tão importante para o Brasil. Comparando com outros compositores, ele tinha até uma obra pequena, mas muito consistente, sempre de uma poesia e simplicidade fortes;, finalizou.