Brasil

Infância esquecida

Apenas metade dos recursos destinados aos programas que compõem o chamado Orçamento da Criança e do Adolescente foram gastos até agosto

postado em 18/08/2008 09:38

Um real e cinqüenta e seis centavos foi quanto o governo federal investiu, por dia, em cada uma das 59 milhões de crianças e adolescentes brasileiros do início do ano até 11 de agosto. O valor é referente à execução do Orçamento da Criança e do Adolescente (OCA), conjunto de programas voltados ao atendimento dessa faixa etária nas áreas de educação, saúde, saneamento e proteção, entre outras. A menos de quatro meses do fim do ano, apenas a metade do dinheiro previsto para a infância foi efetivamente gasto. Dos R$ 40 bilhões autorizados, pouco mais de R$ 20 bilhões foram executados, segundo levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) para o Correio.

Vinte e três programas de diversos ministérios compõem o OCA. Desses, somente dois tiveram execução acima de 75%: o de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (com 100% dos recursos liquidados) e o de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (com 78,35%). Os outros 21 ficaram com execução abaixo de 60%, sendo que dois deles não receberam, até agora, nenhum centavo de investimento ; o de Saneamento Rural, do Ministério da Saúde, e a Gestão da Política de Direitos Humanos, da Presidência da República.

O primeiro, que integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Saúde, tinha à disposição, pela Lei Orçamentária Anual, R$ 6 milhões, e recebeu mais R$ 4 milhões de recursos adicionais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 14,2 milhões de crianças e adolescentes vivendo na zona rural, onde menos de 5% dos domicílios possuem acesso aos serviços de água potável e esgotamento sanitário. Mesmo assim, o programa teve execução zero neste ano. Já a Gestão da Política de Direitos Humanos, que também não recebeu investimentos até 11 de agosto, visa a fortalecer os programas da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, entre eles, as políticas de enfrentamento à exploração sexual e a proteção a adolescentes ameaçados de morte.

Déficit de direitos
;Considerando que já passamos da metade do ano, era de se esperar que a execução de todos os programas estivesse acima de 50%;, afirma Lucídio Bicalho, assistente de política fiscal e orçamentária do Inesc, que elabora as tabelas para o Senado Federal. Isso, no entanto, só ocorreu com cinco das 23 ações. Ele ressalta que mesmo o que foi previsto já é pouco. Apesar de R$ 40 bilhões parecerem uma soma vultosa, representam pouco mais de 0,0001% do Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado.

Bicalho lembra ainda que o OCA inclui os recursos da Bolsa Família e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que elevam muito o total do orçamento, representando quase 75% dos recursos. Para o assessor do Inesc, o dinheiro não atende as necessidades das crianças e adolescentes. Ele cita como exemplo o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), que beneficiou, no ano passado, 1 milhão de meninos e meninas economicamente ativos. Porém, de acordo com o IBGE, o número de brasileiros de 5 a 17 anos trabalhando é cinco vezes maior.

Outros exemplos fornecidos por Lucído Bicalho ilustram o que ele chama de déficit de direitos. Baseado em dados do IBGE, ele lembra que 3,5 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos (7,8% dessa população) estão fora da escola. Ainda assim, os programas para educação tiveram dotação inicial e execução orçamentária baixas. Nem mesmo o Fundeb, na avaliação de Bicalho, vai melhorar a situação a curto prazo. ;Pode ajudar, mas não acredito que em um ou dois anos o problema seja superado;, diz.

Outro que considera a execução do OCA baixa é Helder Delena, coordenador do Programa Prefeito Amigo da Criança, da Fundação Abrinq. ;Para a área da criança e do adolescente, o que foi executado ainda é muito pouco. Restam 49% para serem investidos em apenas quatro meses;, critica. ;O problema é que, no final do ano, o governo precisa gastar e começa a investir sem qualidade. Isso não resulta na melhoria de vida para as crianças e adolescentes;, afirma.

O Correio entrou em contato com a Subsecretaria da Criança e do Adolescente da Presidência da República, mas foi informado que a subsecretária, Carmen Oliveira, está em férias, e que só ela está autorizada a comentar o assunto.

A frase

"No final do ano, o governo precisa gastar e começa a investir sem qualidade"
Helder Delena, coordenador do Programa Prefeito Amigo da Criança

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