Brasil

Aborto de feto anencéfalo em debate no STF

Antes de julgar ação, os 11 ministros querem ouvir a opinião de especialistas, como fizeram em relação à célula-tronco de embriões humanos

postado em 25/08/2008 08:47
Depois da calorosa discussão em torno das células-tronco de embriões humanos, que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a realizar a primeira audiência pública de sua história, outra controvérsia sobre o início da vida faz a Corte abrir as portas novamente para debate com a sociedade. Desta vez, serão três dias de discussões conduzidas por cientistas, religiosos e representantes da sociedade civil organizada para discutir a legalização do aborto em caso de fetos anencéfalos (sem cérebro). A série de audiências públicas começa amanhã e tem como objetivo ajudar os 11 ministros do STF a julgar uma ação, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), que pede a descriminalização da interrupção da gravidez na situação prevista, quando não existe chance de a criança sobreviver.

Atualmente, gestantes que recebem o diagnóstico de anencefalia do feto precisam obter uma autorização judicial para fazer o aborto. Caso contrário, podem ser responsabilizadas criminalmente e sujeitas à pena de até três anos de reclusão. O Código Penal só não penaliza a interrupção da gravidez em caso de risco de morte da mãe e de estupro. ;Mesmo com o feto tendo vida em potencial, a violência de um estupro dá o direito à mulher de não prosseguir com aquela gestação. Veja que no caso do feto anencéfalo, esse potencial de vida nem existe;, argumenta o advogado Luís Roberto Barroso, representante da CNTS, que fará sustentação oral durante o julgamento em favor da legalização da prática.

De outro lado, entidades religiosas e associações ligadas à família contestam, afirmando que a descriminalização do aborto nos casos de fetos anencéfalos pode representar o primeiro passo para a legalização irrestrita da prática. Em nota, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirma que ;a vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve;. Humberto Vieira, presidente da Associação Pró-Vida e Pró-Família, uma das entidades que participarão das audiências públicas no Supremo, é radical. ;Quando se fala de vida, não deveria haver exceção alguma, nem no caso do estupro;, diz Vieira. ;Matar a criança anencéfala é praticar uma eutanásia pré-natal. Ela pode viver algumas horas, um dia que seja e até meses, como já vimos acontecer.;

Vieira cita o caso da menina Marcela de Jesus, que morreu com 1 ano e oito meses em Franca (SP). Exames detalhados de ressonância magnética revelaram que a criança tinha pequenas partes do cérebro, responsáveis por manter as atividades vitais dela. ;A situação de Marcela é emblemática, pois representa essas famílias que querem levar a gravidez até as últimas conseqüências, acreditando na sobrevivência, por mais que os prognósticos sejam contrários. O que estamos propondo é que a mulher tenha a opção de não querer passar pelo sofrimento. A legalização traria mais tranqüilidade também para os profissionais da saúde que acompanham a angústia dessas gestantes e realizam os procedimentos cirúrgicos;, destaca José Caetano Rodrigues, presidente da CNTS.

Favorável
O ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação no Supremo, já tem um posicionamento sobre o assunto. Foi dele a liminar, concedida em 2004 e derrubada três meses depois, permitindo a interrupção da gestação no caso de anencefalia. ;Entendo que essa espécie de gravidez coloca em risco a vida da mulher. As que têm dinheiro podem contratar uma clínica particular. As que não têm, sobretudo no interior do país, ficam expostas a açougueiros;, ressalta Marco Aurélio. As audiências públicas seriam para ajudar os colegas a formarem uma opinião acerca do tema.

A previsão do ministro é de que o julgamento ocorra até novembro, no máximo. Segundo ele, caso o STF julgue improcedente a ação, mantendo a proibição do parto antecipado, a lei de doação de órgãos pode ser considerada inconstitucional. ;Se entendermos que sem cérebro há vida, como autorizar a retirada de órgãos após constatada a morte cerebral, que é o critério atual?;, questiona Marco Aurélio.

O advogado Barroso destaca que sua argumentação, além da falta de potencialidade de vida, passará ainda por um dos princípios fundamentais da Constituição. ;Mostraremos que impedir a interrupção da gestação viola o princípio da dignidade da pessoa humana, porque impõe à mulher um sofrimento inútil e evitável;, diz o advogado.

A série de audiências públicas começará na terça-feira com um bloco mais religioso, cuja discussão ficará no campo da ética. Serão ouvidos, entre outros, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Igreja Universal, a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e Católicas pelo Direito de Decidir. Na exposição da quinta-feira, terão a palavra entidades como o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis); a Associação de Desenvolvimento da Família (ADEF); Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. No último dia de debates, 4 de setembro, será a vez do Conselho Federal de Medicina, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, entre outras instituições médicas.

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