Fornovo, Itália, 28 de abril de 1945
;Para poupar sacrifícios inúteis de vidas, intimo-vos a render-vos incondicionalmente ao Comando das Tropas regulares do Exército Brasileiro que estão prontas para vos atacar. Estais completamente cercados e impossibilitados de qualquer retirada. Quem vos intima é o comandante da Vanguarda Brasileira que vos cerca. Aguardo, dentro de duas horas, a resposta do presente ultimatum.;
Surpreendida pelas tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), a 148; Divisão de Infantaria alemã nunca imaginaria que faria parte da história militar brasileira. Pela primeira vez, o Exército aprisionou, de uma só vez, dois generais inimigos e cerca de 15 mil soldados. ;Cercada inteiramente pelos elementos da 1; Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) na região de Caiano-Fornovo Di Taro-Felegara-Neviano, depois da derrota sofrida pela vanguarda em Collecchio, e vendo a impossibilidade de se reunir ao exército alemão em N do Pó, só lhe restava a rendição, que seu comando propôs ao comando brasileiro, após a intimação que lhe fora dirigida pelo Cmt do 6;. RI (Regimento de Infantaria);, narra um dos relatórios secretos da FEB.
O ultimato às tropas alemãs foi dado pelo coronel Nelson de Mello que, usando um sacerdote católico voluntário para a missão, transmitiu a mensagem para o general alemão Otto Fretter Pico. À meia-noite do dia 29, três oficiais chefiados pelo major W. Kuner chegam ao 6; RI para negociar os termos da rendição. A conversa começa uma hora e meia depois, com o inimigo justificando os motivos que levaram Pico a uma decisão extrema: o esgotamento físico dos soldados, falta de combustível e de recursos para tratar 800 feridos.
;Posteriormente, viemos verificar a improcedência quase total da justificativa, uma vez que no copioso material apreendido existia muita munição e víveres e o número de doentes não atingia 150;, relatou o comandante da FEB, general João Batista Mascarenhas de Moraes. Kuner aceitou os termos fixados pelos brasileiros, mas pediu condescendência para seu comandante e para o general italiano Mário Carloni, da Divisão Bersaglieri Itália. As conversações estavam concluídas no final da madrugada.
Os primeiros prisioneiros chegaram por uma estrada próxima à Ponte Scodogna, em 13 ambulâncias com cerca de 80 inimigos feridos, alguns em estado grave. Uma hora depois, chegam mais oito ambulâncias, com 58 doentes. Os alemães ainda tentaram modificar o horário da entrega das armas, o que não foi aceito pelos brasileiros, segundo os relatórios secretos da FEB. ;O fato de estarmos em contato com um inimigo astuto, que podia lançar mão do tempo para outros fins e a urgência que tínhamos em completar a tarefa da rendição para cumprir outras missões já em perspectiva, levaram o comando da divisão a não aceitar a sugestão;, relata o documento de Mascarenhas de Moraes.
Armas depostas
No final do dia, chegava a primeira coluna motorizada, que vinha por uma faixa indicada para a deposição das armas, na estrada 63 (Sarzana-Parma). Vestido de preto, tendo na lapela o desenho de uma caveira sobre duas tíbias cruzadas, símbolo de seu grupo, ele se apresentou como sendo um fregattenkapitan, capitão-de-fragata, e determinou que seus homens começassem a jogar suas armas, que eram lançadas a distância, para que pudessem ser danificadas.
Ao contrário do que dissera o major Kuner, durante as negociações da rendição, as tropas alemãs não pareciam em péssimas condições. Os soldados estavam com bom aspecto físico, bem alimentados e com fardamento e calçados bons. Logo em seguida, vieram a coluna com canhões e morteiros, um grupo de artilharia e uma coluna ligeira de munição. Todos os militares inimigos estavam com boa aparência e entusiasmados, inclusive cantando. O que mais surpreendeu as tropas brasileiras que faziam a guarda dos prisioneiros foi o material encontrado com os alemães. Além de armas, vários lotes de tecidos, como seda, algodão fino, linho e casimira.
O general italiano Mário Carloni se entregou no início da noite, junto com oficiais de seu estado-maior, que foram conduzidos ao comando brasileiro. A ele foi permitido o uso da arma pessoal e do acompanhamento do ajudante de ordens. Carloni foi transferido para Florença, onde o V Exército americano estava baseado, e onde suas regalias foram proibidas. Oficiais italianos entregaram aos brasileiros um cofre com 6 milhões de liras, dinheiro usado na campanha.
O primeiro general alemão
Os trabalhos seguiram até o início da madrugada do dia 30, com uma suspensão de quatro horas. O balanço do dia apontava que no posto de Caiano, onde o rendimento foi concretizado, havia sido realizada a prisão de 4,5 mil alemães e a apreensão de 1,7 mil viaturas e 80 canhões de vários calibres. A apresentação dos prisioneiros ocorreu pela manhã, mas somente no final da tarde é que o general Otto Fretter Pico, acompanhado por 31 oficiais de seu estado-maior, se entregou.
;Encerrava-se, assim, o capítulo da rendição da 148; DI alemã e de alguns elementos da 90; Divisão Panzer Granadier e da Divisão Bersaglieri Itália;, diz o relatório. O balanço final contabilizava 14.779 detidos, sendo 10.642 em Gaiano, 2.955 em Felegara e 1.200 em
Respício. Outros 300 militares se apresentaram posteriormente, totalizando 15.079 prisioneiros de guerra, que ajudaram a mudar a história militar brasileira.
TRECHO DE RELATO SECRETO DA FEB
;Cercada inteiramente pelos elementos da 1; Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE) na região de Caiano-Fornovo Di Taro-Felegara-Neviano, depois da derrota sofrida pela vanguarda em Collecchio, e vendo a impossibilidade de se reunir ao exército alemão em N do Pó, só lhe restava a rendição, que seu comando propôs ao comando brasileiro, após a intimação que lhe fora dirigida pelo Cmt do 6;. RI (Regimento de Infantaria);
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