15 de dezembro de 1944,
7TH Station hospital,
Livorno, Itália.
;Doutor, eu desejo voltar para a linha de fogo, mas não tenho no momento confiança em mim. Parece que, ao regressar e ouvir o primeiro tiro, passarei a cometer desatinos, não me responsabilizando pelo que possa acontecer. O desabafo foi de um soldado brasileiro ao major-médico Sady Cahen Fischer, que fez um relatório dramático a seus superiores mostrando que os nossos combatentes já estavam no limite de suas forças na tentativa da tomada de Monte Castelo. A resistência dos pracinhas estava sendo heróica, levando-se em conta a situação e o clima adversos, revela a quarta parte da série de reportagens baseada em documentos secretos da FEB.
Ao contrário das tropas americanas, os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) não tinham repouso e passavam até dois meses no campo de batalha. O mês de dezembro, quando aconteceu a última tentativa frustrada de tomar a região, foi o que levou mais pracinhas para o posto de neuropsiquiatria. Extremamente cansados, com problemas nervosos, ansiedade, medo e depressão. ;Parece-me que se trata, no caso concreto, de verdadeira estafa física e moral;, descreveu Sady para seu superior.
Forte, tranqüilo, o soldado Azevedo, 26 anos, não sofria de qualquer problema de saúde antes de ir à guerra. Artilheiro, chegou à Itália e logo foi para as frentes de combate. Até então, nada sofria. Mas quando seu grupo mudou de posição ele não era mais o mesmo. ;Um tufão se levantou na alma daquele artilheiro e as coisas mudaram de rumo;, constatou o capitão Mirandolino Caldas, chefe do setor de neuropsiquiatria. A notícia de que os bombardeiros alemães estavam próximos transformaram a vida de Azevedo. O soldado falava em uma ;granada do tempo; que lhe perseguia e teve que ser internado.
;Levante-se;, gritou o capitão Cabral ao soldado Vieira, que fora levado ao hospital queixando-se de paralisia nas pernas. Sem que sua ordem fosse cumprida, o oficial novamente apelou. ;Levante-se, levante-se, levante-se.; Aos poucos, Vieira tentava se manter em pé, escorando-se em algum móvel. O diagnóstico era hemiplegia, causada pelo cansaço dos campos de batalha. Mota, 23 anos, caiu bruscamente dentro de um caminhão à caminho do front. Nunca teve nenhum tipo de doença. ;Tenho vontade de gritar, mas não posso. Estico as pernas e os braços, ouço tudo que falam perto de mim, mas não posso responder;, contou Mota. Seu primeiro ataque aconteceu quando soube que iria para a guerra.
;A resistência física e moral tem, como tudo na vida, um limite máximo de tolerância. Rompida essa resistência, esse equilíbrio, surgem distúrbios vários, independente do fator vontade. Tenho a impressão que o nosso Exército está carecendo de um repouso absoluto, feito bem longe do front, onde durante este período deve desaparecer por completo todo e qualquer indício de luta;, recomendou Sady. ;Parece ser a melhor medida que se impõe, com o fim de evitar graves conseqüências, que na minha opinião não tardarão a desencadear;, acrescentou.
Sofrimento secreto
A missão perigosa e delicada de reconhecimento levou o cabo Moreira, de 24 anos, quase à loucura. Falava palavras desconexas, sempre intercaladas por gritos de dor. ;Parecia estar despertando de um sono profundo, ou saindo de um estado de choque;, relatou o capitão Cabral. Onofre, um cabo paulista de 23 anos, também sentia muitas dores de cabeça, o que era comum entre os soldados que estavam nas frentes de batalha. Chegou a perder os sentidos algumas vezes, em conseqüência dos freqüentes ataques do inimigo sobre sua posição. ;Tratava-se, evidentemente, de mais um estafado em crise ansiosa;, diagnosticou Cabral.
Os relatórios do serviço médico da FEB eram todos secretos ou reservados, e sua circulação era restrita para evitar que chegasse, de alguma forma, às mãos dos alemães, que mantinham Monte Castelo sob seu domínio. Com isso, mantinha-se em segredo a situação debilitada das tropas brasileiras. ;A psicologia do momento, onde tudo conspira contra o combatente (desconforto, noites mal dormidas, atenção permanente pelas necessidades do momento, mal alimentados, molhados, etc.) nos ensina que os sinais supra citados podem se fazer sentir a qualquer momento e que compete aos chefes, aos nossos superiores, que isso aconteça;, alertou Sady.
Nos relatórios, os médicos observam que, depois do período de tratamento ; raramente mais que uma semana ;, os combatentes eram outras pessoas. Azevedo, Vieira, Mota, Moreira e Onofre voltaram para o campo de batalha. ;O paciente, que a princípio não podia sequer ouvir falar na sua volta à artilharia, foi melhorando gradativamente. E no dia em que lhe demos alta não teve a menor hesitação em partir;, contou Cabral, referindo-se a Azevedo. Depois de ouvir uma preleção patriótica dos médicos, ele chorou e se despediu dizendo que haveria de cumprir com seu dever. Dois meses depois, os cinco estavam entre os pracinhas da FEB que tomaram Monte Castelo.
A frase
"Tenho vontade de gritar, mas não posso. Estico as pernas e os braços, ouço tudo que falam perto de mim, mas não posso responder"
Soldado Mota, acamado com hemiplegia por absoluto cansaço de guerra