Brasil

Aborto de anencéfalos divide até religiosos

Audiência sobre a possibilidade de interrupção da gravidez em casos de fetos com má-formação cerebral expõe profundidade da polêmica

postado em 27/08/2008 09:28

O primeiro dia de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade do aborto de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral, que inviabiliza a vida fora do útero) mostrou que nem dentro dos grupos religiosos existe consenso. Enquanto a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) condena a prática, a Igreja Universal do Reino de Deus considera ser um direito da mulher decidir sobre a interrupção da gravidez naquela condição. Dos 11 ministros da Corte, apenas Marco Aurélio Mello, relator da ação que pede a descriminalização do aborto em caso de anencefalia, compareceu ao debate. Marco Aurélio minimizou a ausência dos colegas afirmando que todo o debate será transformado em DVD e, junto com as notas taquigráficas, enviado aos ministros. ;Eu mesmo não assisti a outras audiências realizadas aqui e nem por isso deixei de estar bem informado;, ressaltou o ministro. Embora tenha opinião formada sobre o assunto ; foi dele a liminar que vigorou por apenas três meses em 2004 autorizando a interrupção da gravidez de anencéfalos ;, Marco Aurélio ouviu atentamente as apresentações dos seis grupos convidados, que apresentaram argumentos médicos, éticos e religiosos. ;Entre a ciência e a igreja, eu fico no meio termo, onde está a virtude;, afirmou o ministro, ao fim da sessão. O padre Luiz Antonio Bento, representante da CNBB, posicionou-se de forma radical logo na primeira exposição do dia. ;Ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele embrião, feto ou criança sem ou com má-formação, adulto, velho, doente, incurável ou agonizante;, ressaltou o religioso. Menos enfático, embora também contrário à interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, disse que a ciência precisa estudar mais sobre o nível de consciência de crianças nascidas com graves deformações cerebrais antes de o Estado decidir sobre o aborto nesses casos. Controvérsias científicas Nunes enfatizou, citando casos de crianças que tiveram sobrevida, que a anencefalia não deve ser confundida com morte encefálica. ;As pessoas usam os dois conceitos como se fossem equivalentes. Precisamos entender que o feto anencéfalo preserva parte do encéfalo, pode respirar sem ajuda de aparelhos, portanto não está em estado de morte encefálica;, afirmou Nunes. Para o professor do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Antonio Fernandes Moron, as duas situações são similares. ;O feto anencéfalo tem apenas o tronco cerebral, mas não o córtex. A pessoa que morreu e vai doar órgãos está em situação igual, com o córtex já morto e só o tronco cerebral funcionando. Essa pessoa, caso a família queira, pode ficar muito tempo mantida em estado vegetativo, mas não é considerada viva;, destacou o médico. Luís Roberto Barroso, advogado que representa a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Sáude (CNTS), entidade que ajuizou a ação no STF, tenta arrematar a discussão em uma única tese. ;É uma evidência científica e médica de que o feto anencéfalo não sobrevive mais que segundos ou minutos após o parto. Se esse cérebro infelizmente não se forma, não podemos falar de vida;, disse o advogado.

Ouça podcast: áudio com depoimentos de participantes da audiência pública no STF

Ministro Marco Aurélio Mello fala sobre audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal Padre Luiz Antônio Bento, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), critica o aborto de fetos anencéfalos Médico Rodolfo Acatauassú Nunes, representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, explica conceito de anencefalia. Representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), o advogado Luís Roberto Barroso defende o aborto de fetos anencéfalos

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação