O primeiro dia de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade do aborto de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral, que inviabiliza a vida fora do útero) mostrou que nem dentro dos grupos religiosos existe consenso. Enquanto a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) condena a prática, a Igreja Universal do Reino de Deus considera ser um direito da mulher decidir sobre a interrupção da gravidez naquela condição. Dos 11 ministros da Corte, apenas Marco Aurélio Mello, relator da ação que pede a descriminalização do aborto em caso de anencefalia, compareceu ao debate. Marco Aurélio minimizou a ausência dos colegas afirmando que todo o debate será transformado em DVD e, junto com as notas taquigráficas, enviado aos ministros. ;Eu mesmo não assisti a outras audiências realizadas aqui e nem por isso deixei de estar bem informado;, ressaltou o ministro. Embora tenha opinião formada sobre o assunto ; foi dele a liminar que vigorou por apenas três meses em 2004 autorizando a interrupção da gravidez de anencéfalos ;, Marco Aurélio ouviu atentamente as apresentações dos seis grupos convidados, que apresentaram argumentos médicos, éticos e religiosos. ;Entre a ciência e a igreja, eu fico no meio termo, onde está a virtude;, afirmou o ministro, ao fim da sessão. O padre Luiz Antonio Bento, representante da CNBB, posicionou-se de forma radical logo na primeira exposição do dia. ;Ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele embrião, feto ou criança sem ou com má-formação, adulto, velho, doente, incurável ou agonizante;, ressaltou o religioso. Menos enfático, embora também contrário à interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, disse que a ciência precisa estudar mais sobre o nível de consciência de crianças nascidas com graves deformações cerebrais antes de o Estado decidir sobre o aborto nesses casos. Controvérsias científicas Nunes enfatizou, citando casos de crianças que tiveram sobrevida, que a anencefalia não deve ser confundida com morte encefálica. ;As pessoas usam os dois conceitos como se fossem equivalentes. Precisamos entender que o feto anencéfalo preserva parte do encéfalo, pode respirar sem ajuda de aparelhos, portanto não está em estado de morte encefálica;, afirmou Nunes. Para o professor do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Antonio Fernandes Moron, as duas situações são similares. ;O feto anencéfalo tem apenas o tronco cerebral, mas não o córtex. A pessoa que morreu e vai doar órgãos está em situação igual, com o córtex já morto e só o tronco cerebral funcionando. Essa pessoa, caso a família queira, pode ficar muito tempo mantida em estado vegetativo, mas não é considerada viva;, destacou o médico. Luís Roberto Barroso, advogado que representa a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Sáude (CNTS), entidade que ajuizou a ação no STF, tenta arrematar a discussão em uma única tese. ;É uma evidência científica e médica de que o feto anencéfalo não sobrevive mais que segundos ou minutos após o parto. Se esse cérebro infelizmente não se forma, não podemos falar de vida;, disse o advogado.
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Ministro Marco Aurélio Mello fala sobre audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal