postado em 28/08/2008 16:28
A Justiça Federal questionou nesta quarta-feira (27/08), em nota à imprensa, a Lei 11.719/2008, que entrou em vigor no último dia 22 e altera vários artigos do Código de Processo Penal. Segundo a Justiça Federal, em sentença proferida pelo juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, a lei foi considerada inconstitucional ainda nesta quarta por comprometer a ;independência; do juiz no momento da sentença, ferindo os artigos 1º, 2º e 5º da Constituição Federal.
Ao sentenciar um caso de porte de moeda falsa por um ;flanelinha;, Ali Mazloum constatou que a nova lei viola o princípio de independência do juiz por não mais permitir que o magistrado desclassifique o crime ao qual o réu foi denunciado, sem que o órgão acusador faça, antes, aditamento à denúncia.
;Pela nova regra, entendendo o Ministério Público não ser caso de aditamento, o juiz terá de se submeter à vontade do órgão acusador (...). A independência do juiz ficará comprometida caso tenha, no momento de aplicar o direito ao fato, submeter o seu entendimento à aprovação de outro órgão, parte no conflito;, afirma o juiz em sua decisão.
Na sentença do último dia 27, (proferida após a nova lei entrar em vigor), consta que o réu J.S.R. foi flagrado com uma cédula falsa de R$ 20,00, que seria introduzida na circulação posteriormente. Na denúncia, o Mistério Público Federal (MPF) qualificou o crime pelo §1º do artigo 289 do Código Penal (adquirir e utilizar moeda falsa de forma consciente).
Ocorre que, durante a instrução processual, após ouvir o acusado e uma testemunha, o juiz concluiu que o ;flanelinha; não sabia que a nota recebida por ele era falsa, até porque a falsificação não era grosseira, ;tanto que o acusado recebeu a cédula de boa-fé, passou o troco ao cliente, e somente no dia seguinte percebeu a falseta;.
Diante das evidências, o juiz entendeu por bem enquadrar o crime no §2º do artigo 289 do Código Penal (quando recebe moeda falsa de boa-fé ; como verdadeira ; e a coloca em circulação depois de conhecer a falsidade). A diferença de pena entre um crime (§1º art. 289 do CP) e outro (§ 2º do mesmo artigo) é grande. No primeiro caso varia de 3 a 12 anos de reclusão; no segundo de 6 meses a 2 anos.
;No curso da instrução processual surgiram circunstâncias elementares não contidas na denúncia, consistentes no recebimento de boa-fé da cédula por parte do acusado, ciência posterior da falsidade e guarda para introdução no meio circulante. Houve infração ao tipo penal em sua forma privilegiada, cuja pena é mais branda;, afirma a sentença.
Nesta hipótese, nos termos da antiga redação do artigo 384 do Código de Processo Penal, o juiz poderia desclassificar o crime sem necessidade de aditamento da denúncia, bastando dar à defesa a oportunidade de prévia manifestação.
;Para a desclassificação de um crime para outro de igual ou menor gravidade, não dependia de aditamento da denúncia pelo Ministério Público, o juiz não ficava submetido ao entendimento do órgão acusador;, diz Mazloum.
Com a redação dada pela Lei 11.719/2008, mesmo quando a nova definição jurídica do fato importe pena mais branda ao acusado, o juiz depende de autorização do órgão acusador para aplicar a norma correta ao fato. ;O juiz não tem mais liberdade jurídica para desclassificar o crime sem aditamento da denúncia, deverá ao final curvar-se ao entendimento do órgão acusador;, declara.
Para Mazloum, a inovação legislativa, a pretexto de dar maior celeridade ao processo, atropela direitos fundamentais e segue a linha hoje em voga do ;justiçamento e da espetacularização midiática da acusação;. Neste ponto observou que a regra processual em questão está afinada com os novos tempos do Judiciário brasileiro, ;cada vez menos independente e mergulhado em discursos demagógicos para agradar o decantado ;clamor; popular;.
O juiz entende que a nova regra não pode ser aplicada por três motivos: a aplicação imediata da lei não é possível, pois no processo penal não é permitido retroagir; é prejudicial ao acusado, uma vez que o reconhecimento de crime menos grave ficaria na dependência da anuência do órgão acusador; afronta a independência do juiz, ferindo princípios consagrados na Constituição Federal.
;É certo que, pela nova regra, não concordando o órgão acusador com o entendimento do juiz sobre a incidência de crime menos grave, deixando de aditar a denúncia, restariam ao julgador duas opções, ambas inadmissíveis: curvar-se à vontade do Estado-acusação e condenar o acusado por um crime que está convencido de sua inocência, o que constituiria rematado disparate e abuso encharcado de extrema covardia; ou absolver o acusado do crime mais grave capitulado na denúncia, permitindo a impunidade para o crime menor, o que também afrontaria o princípio republicano, pelo qual todos devem ser responsabilizados por seus atos contravenientes ao ordenamento jurídico;.
Por fim, Ali Mazloum declarou inconstitucional a nova regra imposta pela Lei 11.719/2008 e condenou o réu J.S.R. pela prática do crime descrito no artigo 289, § 2º, do Código Penal, à pena de 1 ano de prisão a ser cumprida em regime aberto, e ao pagamento de 15 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo para cada dia-multa.