Jornal Correio Braziliense

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Médicos defendem liberação

Em audiência no STF, especialistas sustentam que mães correm risco de morte. Sociedade Brasileira de Genética Médica revela que nascem 8 bebês sem cérebro a cada dia no país

Embora considerada um tipo de má-formação cerebral rara, a ocorrência de anencefalia (ausência total ou parcial do encéfalo nos fetos) é mais comum no Brasil do que se imagina. São oito nascimentos de anencéfalos por dia ; média de um a cada três horas. A informação é do presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, que participou ontem de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. Assim como Raskin, a maior parte dos representantes de entidades médicas e científicas ouvidos no debate defenderam a interrupção da gravidez no caso de fetos com anencefalia, sustentando que a gravidez traz riscos à vida da mãe. A exceção foi Lenise Garcia, professora de biologia da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Nacional Brasil sem Aborto. Os ministros terão de julgar uma ação que pede a descriminalização do aborto, hoje punido com até três anos de prisão, nessa situação específica. Raskin informou que ocorrem, atualmente, 3 milhões de nascimentos por ano. ;Considerando a incidência no Brasil de um anencéfalo a cada mil nascidos, chegamos a essa média de oito por dia. Em São Paulo, a incidência é maior, de um para 600;, explica o médico. Para Sérgio D;Ávila, representante do Conselho Federal de Medicina, a proibição do aborto nos casos de anencefalia deixa médicos e pacientes reféns da Justiça. ;Uma decisão importante que deve ser tomada entre médico e paciente hoje depende do humor do juiz de plantão;, critica D;Ávila. Ele ressaltou que o que se quer é apenas autorizar o direito ao aborto às mulheres que assim desejarem, respeitando-se o direito daquelas que quiserem continuar a gravidez. Tensão O caso da menina Marcela de Jesus Galante Ferreira, que foi diagnosticada como tendo anencefalia e acabou vivendo por 1 ano e 8 meses, agravou a polêmica. A sobrevivência de Marcela é apontada pelos contrários ao aborto como um dos maiores motivos para que o STF rejeite a possibilidade de autorizar a interrupção da gravidez nesses casos. Os médicos contestam o diagnóstico dado à situação da menina. Segundo Everton Pettersen, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, a criança tinha na verdade merencefalia, que é a ausência de parte do cérebro, o que permitiu sua sobrevida. A bióloga Lenise Garcia discordou veementemente, sustentando que laudos médicos confirmavam a ausência de cérebro. ;O aborto do anencéfalo caracteriza-se sim como aborto eugênico. É aborto mesmo, vamos parar com eufemismo. O anencéfalo é um deficiente, ele não é um morto-vivo;, disparou. O relator do caso, Marco Aurélio Mello, deixou claro que concorda com a posição dos médicos (de que o diagnóstico estava errado). ;Não se terá mais o gancho que se teria pela não-interrupção da gravidez do caso da Marcela;, afirmou. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que a ação que discute a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos deve ser julgada até o fim do ano. ;Gostaria de saudar a iniciativa do ministro Marco Aurélio, que está fazendo esse diálogo complexo com a comunidade científica, com a sociedade em geral, e trazendo para o tribunal esses subsídios e múltiplas visões. Ele espera afetar ao plenário ainda este ano a matéria;, afirmou Mendes.

Ouça podcasts: entrevistas com Sérgio D;Ávila, Salmo Raskin e Lenise Garcia

Raskin, presidente da sociedade Brasil Genética Médica, fala sobre aborto de anencéfalos Denise Garcia, do movimento Brasil sem aborto, fala sobre aborto de anencéfalos