postado em 17/09/2008 09:25
A escalada da leishmaniose visceral ; que aumentou 37% de 2001 a 2006, passando de 2.860 para 3.926 casos confirmados no país ; levou o governo federal a fechar o cerco contra a doença. Uma das estratégias adotadas foi proibir, por meio de portaria dos ministérios da Saúde e da Agricultura, que os cães infectados recebessem tratamento com medicamentos usados para humanos. Como essa é a única terapia disponível atualmente para os animais, hospedeiros do parasita que causa a doença, os veterinários têm de sacrificar os bichos, obrigatoriamente. A determinação, em vigor há dois meses, causou rebuliço entre associações de proteção dos animais, que se reunirão hoje em São Paulo para debater o tema. Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, que já contestou extra-judicialmente a portaria, estuda propor uma ação civil pública para derrubá-la.O MPF enviou uma recomendação aos ministérios da Saúde e Agricultura solicitando a revogação da portaria. A argumentação do órgão é de que a proibição de cuidar dos animais fere leis que garantem tratamento digno a eles. As duas pastas têm até segunda-feira para dar uma resposta. Se o posicionamento não for convincente, o próximo passo do MPF é ajuizar uma ação civil pública questionando a legalidade da norma. A estratégia do órgão vai se concentrar em desqualificar a portaria como instrumento adequado para inovar, em matéria de lei, uma vez que ela é destinada a apenas regulamentar uma legislação existente. De outro lado, os ativistas em prol dos animais também estão se mobilizando contra a determinação do governo federal.
;O governo adota o extermínio dos cães como política de combate à leishmaniose há quatro décadas e o problema só aumenta. Agora vamos organizar os amantes dos animais para cobrar atitudes à altura do problema;, ressalta Marco Ciampi, presidente da organização não-governamental Arca Brasil. Ele lembra que desde a década de 1960 a recomendação do governo sempre foi o sacrifício dos cães. ;Essa portaria só veio corroborar uma posição equivocada, porque os cães reagem bem ao tratamento. Por que não atacar os mosquitos?;, reclama. O Ministério da Saúde, em nota, explica que ;pesquisas científicas atestam que não há, até momento, nenhum fármaco ou esquema terapêutico que garanta a eficácia do tratamento, bem como a redução do risco de transmissão;. Além disso, ;o uso rotineiro dessas drogas em cães leva ao risco de selecionar parasitas resistentes às drogas utilizadas para o tratamento humano;, completa o texto.
Morte ;econômica;
Raimunda Nonata Ribeiro Sampaio, especialista em leishmaniose e professora do Departamento de Clínica Médica da Universidade de Brasília, destaca que o desconhecimento sobre a doença, negligenciada pelas grandes empresas farmacêuticas por acometer classes menos favorecidas economicamente, ainda é grande. Ela esclarece, entretanto, que há duas correntes de estudiosos que divergem sobre o real papel do cão na transmissão. ;Ainda há dúvidas sobre se ele é um hospedeiro ou uma mera vítima, assim como o homem. Em países mais desenvolvidos, é adotada a conduta de tratar o cão o resto da vida. No Brasil, onde as dificuldades são maiores, inclusive financeiras, as ações são mais genéricas. É mais econômico matar o cão;, diz.
A professora destaca que até o exame básico feito nos cães não dão uma resposta 100% confiável. ;Trata-se de um método indireto de sorologia, que às vezes pode falhar;, diz. Há uma estimativa de centenas de cães sacrificados, todos os anos, no Brasil, com diagnóstico errado. Poderia ser o destino de Sofia, uma weimaraner de 3 anos, que há quatro meses teve um exame soropositivo. A artista plástica Adriana Marques Alves ficou apavorada com a idéia de ter que sacrificar a xodó da casa. ;Pensava no meu filho de 7 anos e na minha mãe, na possibilidade de eles pegarem a doença. Embora a gente saiba que a leishmaniose não é transmitida diretamente do animal para o homem, me assustava;, conta.
Mas Adriana não sossegou até ter o diagnóstico preciso. Submeteu Sofia a novo exame, esse de médula óssea, que custou R$ 150. ;Deu negativo, foi um alívio. Mas daí pensamos: e quem não pode pagar por esse exame?;, diz a artista plástica. Vítor Ribeiro, professor de doenças infecto-contagiosas e parasitárias na Escola de Veterinária da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, destaca que a condição financeira é fundamental na hora de decidir o futuro do bicho querido. ;Vemos que as famílias com menos recursos, inclusive de conhecimento, acabam entregando o animal. Outras famílias preferem cuidar dele;, diz.
Vacina contestada
Há uma vacina contra a doença, desenvolvida por pesquisadores do Rio de Janeiro, mas o Ministério da Saúde não recomenda, alegando falta de evidências científicas sobre os efeitos reais do remédio. Os casos de leishmaniose visceral ; mais agressiva, pois em vez de atacar peles e mucosas, como faz o tipo tegumentar da doença, atinge órgãos internos do corpo ; têm se espalhado pelo Brasil. Minas Gerais, por exemplo, que teve 162 registros em 2001, fechou 2006 com 473. Mato Grosso do Sul é outra área de risco, onde os 91 casos de 2001 passaram a 242 cinco anos depois. Cidades do interior de São Paulo também enfrentam o problema cada vez maior. O número subiu de 90 para 273. ;Quando chegar à capital, e isso não vai demorar, vamos ter uma forte reação da população quanto à obrigatoriedade de sacrificar os cães;, prevê Ciampi.