postado em 20/09/2008 08:59
São Paulo ; Na terra da garoa, a farra da cirurgia plástica corre solta. Otorrinolaringologistas executam operações para afinar narizes de pacientes, ginecologistas se responsabilizam por colocar próteses de silicone nos seios e nas nádegas, oftalmologistas mexem em pálpebras e dermatologistas esticam a pele do rosto. No início do ano, os médicos sem especialização que se aventuram no universo da estética aceitavam até cartão de crédito e financiamento. Hoje, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe que os cirurgiões usem agentes de financeiras, mas muitos deles ainda mantêm no consultório máquinas de cartões.A prática de cirurgias plásticas no atacado em São Paulo se reflete diretamente nas estatísticas de erros médicos. Metade dos casos que foram julgados no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) nos dois últimos anos coloca em xeque o trabalho de médicos que fizeram algum tipo de procedimento estético. Quando uma denúncia é feita ao conselho, é aberta uma sindicância. Se houver provas suficientes de infração ética, é instaurado um processo contra o médico.
O número
70%
dos casos de problemas em cirurgias plásticas que vão a julgamento envolvem médicos sem especialização
De acordo com o levantamento do Cremesp, 50% dos processos julgados pela classe vêm da área de cirurgia plástica. Na maioria dos casos, o médico é julgado por fazer publicidade irregular, como, por exemplo, prometer resultados que não podem ser alcançados e afirmar que o procedimento tem segurança absoluta, o que não é verdade. Em cerca de 70% dos casos de médicos que vão a julgamento por barbeiragens em cirurgias plásticas em São Paulo, os acusados não têm especialização na área.
Em 2002, a advogada Roselena Sarmento, 34 anos, foi a um dermatologista em São Bernardo do Campo para saber qual o protetor solar era mais indicado para o seu tipo de pele. No consultório, foi convencida a fazer uma cirurgia nas pálpebras para retirar bolsas de gordura. Curiosa, Roselena quis saber quanto custaria o procedimento. O médico mostrou a ela uma tabela de preços e provou por A mais B que ele tinha um preço imbatível na praça e que dividia o valor a perder de vista. ;Lembro que paguei R$ 1,2 mil, o que era bem em conta para a época;, diz. O resultado da cirurgia foi ruim e a operação teve que ser refeita por um cirurgião plástico especializado.
Roselena procurou o Conselho Regional de Medicina e registrou uma queixa. Nada aconteceu. Antes que ela deitasse na mesa de cirurgia, o médico a fez assinar uma papelada na qual ele se eximia da responsabilidade, caso o procedimento não desse certo. ;Só fiz me desgastar no processo. O médico continua operando e atendendo num consultório chique em Pinheiros, Zona Sul de São Paulo.;
Riscos enormes
O presidente da regional paulista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP-SP), João de Moraes Prado Neto, alerta que é um grande risco fazer cirurgia plástica com quem não tem especialização. Ele apóia a medida que restringe esse procedimento no Distrito Federal e diz que ela deveria ser estendida ao restante do país. Prado Neto explica que um especialista passa seis anos na faculdade de medicina, dois anos aprendendo cirurgia-geral e depois ainda precisa ser aprovado em um concurso feito pela SBCP e CFM. Se ele passar nesse teste, é incluído num curso específico de três anos para aprender a fazer cirurgia plástica. No final, esse especialista apto a operar passou 11 anos estudando. Já o médico que faz cirurgia estética sem especialização encerra seu tempo de estudo, em média, no oitavo ano.
Prado Neto diz que é fácil descobrir se um cirurgião tem ou não especialidade em cirurgia plástica: basta observar os preços que eles cobram. Em um profissional especializado, uma plástica de nariz (rinoplastia) custa, em média, R$ 10 mil. Em um sem especialização, sai por volta de R$ 2 mil. ;É o típico caso do barato que sai caro;, ressalta o médico, que é especialista em refazer cirurgias de nariz malfeitas por causa de imperícias.