Brasil

Cemitério de São Paulo é um verdadeiro museu a céu aberto

Com 150 anos, Cemitério da Consolação, em São Paulo, recebe cada vez mais visitantes, atraídos pelos túmulos de personalidades. Genuínas obras de arte

postado em 22/09/2008 08:42
Túmulo do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo
São Paulo ; Um dos cemitérios mais importantes do país completou um século e meio de luxo, beleza e mistério. Há exatos 150 anos foram enterrados os primeiros corpos no suntuoso Cemitério da Consolação, na capital paulista. No início de tudo, os falecidos eram todos pobres: a primeira a chegar foi Thereza de Jesus Corrêa, amante de um militar que teria morrido de amor. O segundo foi Casimiro Munhabano, um presidiário acusado de homicídio que morreu de tuberculose numa cadeia pública. O terceiro foi um jovem negro de apenas um nome, Benedito, que era mantido como escravo por um coronel. Dizem que ele morreu de tanto levar chibatadas. Hoje, de pobre o cemitério não tem nada. Depois que as autoridades sanitárias proibiram que os aristocratas de São Paulo fossem enterrados dentro das igrejas, os ricos tiveram que se misturar com os pobres sepultados na Consolação. Algumas famílias chegaram a enterrar entes queridos escondidos do governo em túmulos especiais dentro de paróquias. Eles acreditavam que, ao serem sepultados nas igrejas, fariam um caminho mais curto ao paraíso. No entanto, em 1958, a prefeitura de São Paulo saiu recolhendo os cadáveres enterrados recentemente em casas religiosas e acomodou todos na Consolação. Atualmente, o cemitério ocupa uma área de 76 mil metros quadrados no coração de São Paulo. Um passeio pelas ruas e avenidas revela túmulos colossais e obras de artes que estão todas tombadas pelo patrimônio da humanidade desde 2006. No início, o Cemitério da Consolação era uma área periférica. Hoje os mausoléus de luxo estão cercados por árvores gigantes e prédios residenciais do bairro de Higienópolis e pelos arranha-céus de Cerqueira César. No Cemitério da Consolação há 8,6 mil sepulturas e um enterro lá não sai por menos de R$ 40 mil, levando em conta que se trata do metro quadrado mais caro de todos os cemitérios do país: R$ 3,8 mil. ;Foi-se o tempo em que ele era um cemitério para qualquer um. A Consolação é para a elite;, diz o historiador Victor Hugo Mathias, da Universidade Federal de São Paulo. Personalidades Ricos e famosos, importantes e respeitados, lendários e modernistas. Estão todos lá: Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Washington Luiz, Marquesa de Santos, Armando Bogus, Ruth de Souza e integrantes da família Matarazzo, além de uma série de personalidades da cena paulistana. Mas o que chama mesmo a atenção são as obras de artistas consagrados, como Luigi Brizzolara, Victor Brecheret e Amadeo Zani. Com tantos trabalhos importantes, o cemitério foi tombado também pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. Segundo a historiadora Maria José Muniz, da Universidade de São Paulo, uma das maiores especialistas em cemitérios, a Consolação passou a ter obras de arte porque os ricos que viviam no Brasil passaram a seguir uma tendência importada de Paris, em que os endinheirados faziam túmulos tão ostensivos quanto os palácios em que moravam. Na época em que o cemitério paulistano começou a erguer mausoléus imponentes, o preço da cova foi jogado para o alto. ;Atualmente, as pessoas vão mais para apreciar obras de arte do que para visitar sepulturas de parentes;, diz Maria José. Os primeiros ricos a serem enterrados no Cemitério da Consolação vêm do interior de São Paulo e fizeram fortunas na cultura cafeeira. Na época, o café era chamado de ouro-verde. Nesse período, conhecido como belle époque paulistana, a elite firmava seu status contratando artistas renomados para decorar palacetes e construir túmulos. ;Os ricos disputavam entre si quem tinha mais dinheiro. Então eles gastavam muito com moda, festas e convenções sociais, com o intuito de desenvolver na vida de São Paulo um ar cosmopolita, moderno e intelectual. Esse comportamento se refletiu diretamente nos sepultamentos e na ornamentação dos túmulos;, explica Maria José. ;Na cabeça deles, a moradia no cemitério deveria representar tudo o que eles realizaram na vida. Ou seja, a casa no paraíso deveria ser à altura de sua importância social;, completa. Casamento Maria José conta que o cemitério é tão requisitado que já serviu de palco até para um casamento, em 1930. Consta no livro de registros da administração que os modernistas Oswald de Andrade e a jovem escritora Patrícia Galvão, a Pagú, casaram-se em cerimônia simbólica dentro da Consolação em 5 de janeiro daquele ano. Hoje, o endereço do casório é o mesmo em que os dois descansam. O túmulo de Oswald de Andrade está na rua 17 e o de Pagú na quadra 24, vizinho ao do escritor Monteiro Lobato. ;Houve uma época que as cerimônias fúnebres mais concorridas de São Paulo eram realizadas da Consolação;, diz Maria José. O cemitério também guarda histórias que envolvem fantasmas e assombrações. Reza a lenda que um coveiro desapareceu depois que brigou com a mulher. Expulso de casa, resolveu dormir num mausoléu da Consolação. A família teria procurado pelo rapaz durante meses. Na última vez em que foi visto, o coveiro caminhava entre as sepulturas falando sozinho. Amigos contavam que ele conversava com as almas e que conseguiu ir para o mundo dos mortos sem sofrer. A mulher nunca conseguiu obter a certidão de óbito do suposto falecido. Há quem diga que ele sumiu do mapa para não pagar pensão. Serviço precário Considerado um museu a céu aberto, o Cemitério da Consolação lembra muito os similares P;re Lachaise, Montmartre e Montparnasse, em Paris, e o da Recoleta, em Buenos Aires, que entraram para os roteiros turísticos oficiais. A grande diferença é que nas duas cidades há um serviço eficiente que ajuda o turista a localizar túmulos importantes. Na versão tupiniquim, não há guias e os turistas rodam pelas quadras atrás dos mausoléus importantes. A estudante de Arquitetura Janaína Kloslov, 21 anos, foi com duas amigas fotografar o mausoléu de Monteiro Lobato na quinta-feira passada. Levou quase duas horas para encontrá-lo. ;O cemitério é muito grande e não há sequer uma placa indicando;, reclamou. Ela precisou visitar o local três vezes para achar outras sepulturas importantes. ;Nenhum coveiro soube me dizer onde está enterrado o ex-presidente Campos Sales.; A administração do cemitério assegura que há visitas monitoradas na Consolação, mas elas têm que ser agendadas e a maioria das pessoas chega sem aviso prévio querendo fazer um passeio. O serviço funerário do município de São Paulo também está preparando um livreto indicando o caminho das principais atrações e contando um pouco da história das personalidades mortas e das obras de arte do cemitério. Os visitantes do Cemitério da Consolação têm à disposição obras de artistas que surgiram no fim do século 19 e início do século 20. As principais referências estéticas são a art nouveau e o modernismo, o que explica o aspecto suave de suas esculturas, diferentes do tom fortemente macabro presente nas esculturas de alguns cemitérios europeus. Uma das obras mais importantes é conhecida como Sepultamento, de autoria do escultor paulista Victor Breccheret, que está sobre o jazigo de Olívia Guedes Penteado, patronesse do movimento modernista. A obra feita em granito tem quase 3m de altura e 4m de comprimento e é datada de 1923. Essa escultura deu ao autor um prêmio no Salão de Outono de Paris naquele mesmo ano. Outra famosa obra de Brecheret no Cemitério da Consolação é O anjo sorridente, inspirado no quattrocento italiano. A escultura, toda em bronze, possui 2m de altura e se encontra no túmulo da família Botti. Uma obra similar está no cemitério francês de P;re Lachaise, onde os turistas vão para conhecer os túmulos de personalidades ilustres como Victor Hugo, Voltaire e Chopin. No Recoleta, considerado solo sagrado pelos argentinos, os túmulos mais concorridos são os de Evita e Juan Domingo Perón. Túmulos mais visitados Monteiro Lobato O túmulo do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo é muito visitado por estudantes, que geralmente vão em excursões organizadas por escolas. Muitos devotos deixam pedidos de cura para crianças que estão doentes. No dia do aniversário do pai da boneca Emília, 18 de abril, um grupo de jovens costuma prestar uma estranha homenagem ao escritor: todos vão ao cemitério fantasiados com os personagens criados por ele. Segundo a administração do cemitério, essa homenagem é feita há mais de 20 anos por fãs de Taubaté, cidade natal do escritor. Sebastião Moreira/AE - 31/10/05 Conde de Matarazzo Segundo historiadores, pertence à família Matarazzo o maior mausoléu do Brasil e o mais alto de toda a América do Sul. Construído em estilo pós-renascentista, o túmulo é um conjunto de edificações que ocupa 16 terrenos, numa área com mais de 100m quadrados. Foi erguido com blocos de granito e tem no topo cinco conjuntos estatuários de bronze, de autoria de Luigi Brizzolara. A mais alta chega a 20m de altura, maior do que vários monumentos de praças públicas. Para historiadores, o conjunto arquitetônico perpetua um império e um período de grandeza e poderio econômico que não existe mais. Patrícia Santos/AE - 29/11/06 Eduardo da Silva Prado Uma das primeiras obras de arte que se avista logo ao entrar no cemitério é o túmulo do jornalista e escritor paulistano Eduardo da Silva Prado, morto em 1901. Uma coluna de pedra gigante esculpida num tipo raro de mármore cor de rosa significa que a pessoa enterrada ali morreu antes do tempo. Prado faleceu de causa misteriosa aos 41 anos. Amigo de Eça de Queiroz, ele vivia em Paris e serviu de inspiração para o personagem principal de uma das mais importantes obras do escritor português, A cidade e as serras. Odival Reis/Diário de SP/Ag. O Globo - 29/10/03 Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos Todo talhado em mármore branco, atrai os turistas pela exuberância. Domitila é conhecida por ter sido amante do imperador D. Pedro I. Reza a lenda que, antes de dar o famoso grito às margens do Riacho do Ipiranga, D. Pedro teria feito uma visita à marquesa. No famoso mausoléu, há duas placas em bronze: uma atribui a ela a doação das terras do cemitério, o que não é comprovado documentalmente. A outra, posta por um estranho, agradece à Domitila uma graça recebida. Segundo os coveiros, a amante de D. Pedro I é tratada como santa por alguns visitantes que procuram solução para problemas conjugais.

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