Brasil

Psicóloga estuda como casais fortalecem relação após enfrentar desafio do câncer de mama

;

postado em 23/09/2008 08:57
;Nada mudou para nós, somos o mesmo casal de antes em tudo;
Perder o seio que alimenta, que acolhe e que excita poderia ter sido mais sofrido para Aridete de Freitas. A cearense bem-humorada ouviu do marido, porém, algo revigorante depois de receber o diagnóstico de câncer de mama. ;Ele falou que eu continuaria a ser a mesma mulher para ele, sem diferença alguma;, lembra Aridete. Tímido, Raimundo Nonato balança a cabeça, confirmando o diálogo tão importante na recuperação da esposa, que retirou o seio direito em 1995. O casal permaneceu unido diante da adversidade e hoje, prestes a completar 35 anos de união, não perde um forró em festas de conhecidos. ;Nada mudou para nós, somos o mesmo casal de antes em tudo;, conta Raimundo. O comportamento de maridos que, tal como o companheiro de Aridete, apoiaram a mulher com câncer de mama foi objeto de um estudo feito na Universidade de São Paulo (USP). A psicóloga e doutora em saúde pública Cíntia Braghetto se concentrou na história de sete casais e verificou que a doença, apesar dos percalços, aproximou mais os cônjuges. Ela ressalta, porém, que o reforço na união não é regra. ;Vale lembrar que só analisamos pessoas que permaneceram juntas.; Segundo Cíntia, o perfil dos entrevistados, cuja idade média foi de 62 anos, remete a uma moral calcada em valores tradicionais. ;É muito forte, entre essas pessoas, aquele pensamento de fazer valer o que foi prometido no matrimônio, do ficar junto na saúde e na doença;, conta. Na avaliação da psicóloga especializada em oncologia Nely Nucci, o que pesa mesmo é o tipo de relação existente antes do câncer e a vulnerabilidade no enfrentamento de situações difíceis. ;Muitas vezes a paciente pode descobrir no companheiro qualidades maravilhosas que até então desconhecia;, afirma Nely. Quando o companheiro apóia a mulher, ajudando-a durante o tratamento, a participação dele se concentra em atividades pragmáticas. Levar a esposa às sessões de quimioterapia, por exemplo. Mas na hora de cuidados relacionados mais diretamente à doença, como fazer curativos ou ajudar no banho, eles não costumam se envolver, segundo o estudo da USP. ;Nesses momentos sempre aparece outra mulher, que pode ser uma irmã, a filha;, destaca Cíntia. No caso de Aridete, as tarefas básicas do dia-a-dia eram feitas, na maioria das vezes, sozinha. ;Tive uma recuperação muito boa. Com dois meses já estava movimentando o braço, nem precisei de fisioterapia;, conta a cearense. Por outro lado, falta de diálogo, baixa auto-estima e distanciamento afetivo também são características do casal que podem vir à tona. ;A doença, às vezes, potencializa coisas ruins que a relação já tem;, explica Rachel Cardoso, psicóloga da Rede Feminina de Combate ao Câncer no Distrito Federal. De acordo com ela, embora as reações sejam muito individuais, dependendo de cada casal, é recorrente um comportamento defensivo da paciente em não querer ajuda. ;Nossa sociedade ainda reserva à mulher o papel de cuidar de todo mundo, da família, da casa. Então, se de repente ela é que precisa de cuidados, isso se torna um problema;, diz. Isolamento Outra atitude muito comum da mulher, logo depois de saber que terá de retirar uma parte do seu corpo tão simbólica, do ponto de vista sexual, é se isolar. ;Algumas chegam a verbalizar para o marido que se ele quiser pode ir embora;, afirma a psicóloga Cíntia. Pois foi o que fez Erivan de Oliveira Silva, 33 anos. Há pouco mais de um ano, quando soube que tinha câncer de mama e teria de fazer a mastectomia, rompeu o namoro que se tornaria casamento. ;A gente já planejava se casar, mas quando eu soube, disse para ele sumir, me deixar em paz. Eu não sou mais mulher para ninguém. Tenho vergonha;, afirma Erivan. O namorado insistiu, ligou, pediu para ficar com Erivan. Não teve jeito. ;Ele disse que gosta de mim do jeito que eu sou, mas eu não quero mais ninguém;, sentencia. De acordo com Nely, a mama tem um significado tremendamente importante porque remete à sensualidade e à maternidade, dimensões valorizadíssimas da feminilidade. ;É comum a própria mulher não aceitar seu corpo mutilado, da mesma forma que os maridos, outras vezes, não conseguem reconhecer nesse novo corpo a mesma mulher com quem conviviam sexualmente. A superação do problema virá somente por meio dos recursos internos de cada relacionamento;, afirma a psicóloga.

Técnicas de cirurgias reparadoras avançaram O avanço da cirurgia plástica possibilitou a reconstituição da mama com tecido da própria paciente. A operação pode ser feita imediatamente após a mastectomia. Apesar de representar um benefício relevante para a auto-estima feminina, especialistas destacam que a reconstrução nem sempre é desejada. ;Há mulheres que aprendem a conviver com seu novo corpo sem desgastes emocionais. É uma decisão (fazer ou não a reconstituição) que deve ser respeitada e compreendida;, diz Nely Nucci, psicóloga especializada na área de oncologia. Rachel Cardoso, psicóloga da Rede Feminina de Combate ao Câncer no Distrito Federal, chegou à conclusão de que a preocupação é maior entre mulheres de classes mais elevadas. ;A gente não pode generalizar, mas percebo que, nas camadas menos favorecidas economicamente, a reconstituição fica em segundo plano. Geralmente, elas estão mais preocupadas em voltar a trabalhar para garantir o sustento do lar, já que muitas são as chefes da família;, explica a psicóloga. Torcida Para Erivan de Oliveira Silva, a prioridade é criar o filho de 11 anos. Ela não abriu mão, entretanto, de fazer a reconstituição. Erivan teve câncer de mama há um ano, passou pela duríssima quimioterapia e agora já se sente segura para encarar a cirurgia plástica. ;Estou com consulta marcada, vamos ver se dá certo;, torce. De acordo com o chefe da seção de cirurgia plástica reparadora e microcirurgia do Instituto Nacional de Câncer, Paulo Roberto Leal, são mínimos os impedimentos clínicos para a reconstrução mamária. ;Quase a totalidade das mulheres pode se submeter à cirurgia depois de um câncer. É importante para preservar a identidade feminina;, defende o médico. A estimativa do Inca para 2008 é de quase 50 mil novos casos de câncer de mama no Brasil. Pelo menos 10 mil mulheres morrem anualmente.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação