Jornal Correio Braziliense

Brasil

Cientistas obtêm, pela primeira vez, um tipo puramente nacional de células-tronco embrionárias

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Um feito inédito no país marca o início de uma nova fase na área da terapia genética. Cientistas conseguiram obter a primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias. O material é considerado fundamental para a continuação dos estudos até que se chegue a uma terapia aplicada a seres humanos. A descoberta, feita por pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), será anunciada oficialmente amanhã, em um simpósio de terapia celular, em Curitiba (PR), e publicada, posteriormente, em uma revista especializada, ainda não definida. O avanço é resultado de estudos feitos pela equipe da cientista Lygia da Veiga Pereira desde 2006, com recursos dos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. Enquanto a constitucionalidade das pesquisas era questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), o grupo continuou tentando isolar a célula-tronco do embrião humano, uma vez que a discussão jurídica não proibia a continuação dos estudos enquanto não houvesse decisão definitiva. Em maio deste ano, o Supremo julgou as pesquisas constitucionais. ;Foi importante o fato de os financiamentos do governo federal não terem sido interrompidos no período;, diz Lygia. Segundo ela, a técnica descoberta por seu grupo se beneficiou das falhas de países mais avançados no assunto, que hoje já produzem linhagens de células-tronco embrionárias. ;A única vantagem de chegar atrasado num desenvolvimento científico é que você aprende com a experiência dos outros. Embora trabalhássemos com linhagens trazidas de fora, agora teremos autonomia para fazer nossas pesquisas com material próprio;, destaca a cientista. O próximo passo, a partir das linhagens brasileiras, é controlar o desenvolvimento das células-tronco embrionárias, que têm capacidade de se transformar em qualquer tecido do corpo humano, inclusive o neural, o mais difícil de ser obtido em laboratório. ;Cada grupo, agora, vai estudar métodos para essa célula se diferenciar em determinado tecido, de acordo com a linha de estudo. Temos equipes trabalhando na área cardíaca, outras com neurônios;, diz Lygia. Material será doado a outros grupos Stevens Kastrup Rehen, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que atuou em parceria com Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo (USP), na obtenção da linhagem genuinamente brasileira, afirma que o material será doado, sem qualquer tipo de ônus, para grupos de pesquisa que atuam na área genética no país. ;Com mais gente trabalhando, esperamos chegar a bons resultados;, diz Rehen. Ele destaca, entretanto, que ainda é cedo para falar em terapia. ;Isso pode ser muito relativo. Mas a primeira coisa que precisávamos para ter a terapia era ter a linhagem. Agora já conseguimos;, comemora. Foram necessários, conta o cientista, 35 embriões brasileiros para se chegar ao isolamento da célula-tronco. Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, diz que já esperava pelos resultados num espaço de tempo tão rápido ; quatro meses após o Supremo Tribunal Federal reconhecer a constitucionalidade dos estudos. ;Uma das razões pelas quais vale a pena apostar nesse tipo de pesquisa é a distância pequena que nos separa dos países desenvolvidos;, afirma o secretário. O atraso, na avaliação de Lygia, é razoavelmente grande, visto que os Estados Unidos, primeiro país a obter uma linhagem própria de células-tronco retiradas de embriões humanos, conseguiram o feito em 1998, 10 anos atrás. ;É bastante tempo de atraso, mas nada que uma verdadeira vontade política não possa reverter. Temos gente capacitada no Brasil para avançar, basta que o governo invista na área, a exemplo da implantação da Rede Nacional de Terapia Celular (projeto do Ministério da Saúde), que será muito útil no fomento do conhecimento;, afirma a cientista. Hoje, além dos Estados Unidos, Israel e Reino Unido figuram entre os países mais desenvolvidos na área celular. Segurança Agora, com a linhagem brasileira à disposição, os cientistas daqui trabalharão para entender a diferenciação dessa célula e, depois, testá-la em animais. Isso porque há riscos ao se injetar o material genético em humanos, uma vez que essa célula pode se transformar em tumores, visto que seu desenvolvimento é intenso e ainda ;descontrolado;. A questão da segurança é uma preocupação constante dos cientistas, de maneira que a terapia traga melhorias às pessoas, e não cause mais doenças.

Memória Batalha de três anos Em uma votação controversa, por seis a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas e terapias, em maio passado. Os ministros demoraram dois anos para julgar a ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, que questionava o artigo da Lei de Biossegurança, aprovada em 2005 pelo Congresso Nacional, sobre o tema. A discussão, desde então, pautou-se por argumentos jurídicos, religiosos e éticos. Tanta polêmica levou o Supremo a realizar a primeira audiência pública da história da Corte para ouvir especialistas no assunto. O relator, ministro Carlos Ayres Britto, e a então presidente da Casa, Ellen Gracie, foram os primeiros a manifestar os votos, favoráveis. Tiveram o mesmo entendimento os ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Cezar Peluso, Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Gilmar Mendes votaram pela pesquisa, mas com modificações na lei.