postado em 04/10/2008 09:36
Uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), realizada entre maio e julho, identificou o grande centro de produção ilegal de carvão vegetal no Brasil. O que resta dos biomas cerrado e caatinga está sendo derrubado em 24 municípios ; 13 do centro-oeste da Bahia, outros nove do norte de Minas Gerais e três de Goiás. O Ibama identificou um grupo ; formado por fazendeiros, comerciantes, caminhoneiros e até políticos da região ; que derruba e depois queima, em centenas de fornos, florestas inteiras e até pequenas árvores. Relatório de fiscalização reservado obtido pelo Correio constatou que na zona rural dessas cidades são produzidos e vendidos ilegalmente cerca de 210 mil metros cúbicos de carvão a cada mês.
Para movimentar essa carga criminosa, os fiscais do Ibama constataram a circulação mensal de 3 mil caminhões na região. Cada um deles transporta, em média, 100 metros cúbicos de carvão por viagem. Para completar uma carga, os agricultores derrubam um hectare da vegetação natural e demoram apenas cinco dias para queimar a madeira em fornos e transformá-la em carvão. O valor de cada caminhão carregado é estimado em R$ 20 mil. O negócio do carvão ilegal fatura quase R$ 60 milhões mensais, de acordo com as projeções do instituto. O cálculo foi feito em apenas três locais de passagem de caminhões entre Bahia e Minas: Urandi(BA) e Espinosa(MG), Juvenilha(BA) e Manga e Mantovânia(MG). O terceiro fica entre Cabeceiras, em Goiás, e Arinos, em Minas. Existem outras 17 rotas de carvão na região já identificadas pelo Ibama.
A operação denominada Trevo da Zizinha, em alusão ao ponto de encontro dos caminhoneiros à beira da estrada do município de Feira da Mata, no oeste baiano, foi realizada pela superintendência do Ibama de Brasília, responsável pela fiscalização da região. ;Se a devastação continuar nesse ritmo, em menos de cinco anos não restará qualquer vestígio do cerrado ou da caatinga na região;, previu o coordenador das equipes de fiscalização, José Ribamar de Lima Araújo. Importante fronteira agrícola desde a década de 1970, o cerrado brasileiro tem quase 193 milhões de hectares de área em 11 estados. Representa quase 23% de todo o território e abriga 22 milhões de moradores. A caatinga tem 736,8 mil km², 10% do território brasileiro, e é um dos cinco maiores biomas ; junto com a Amazônia, o pantanal, a Mata Atlântica e o vizinho cerrado.
Sem prisões
Nenhum produtor, caminhoneiro ou intermediário do negócio ilegal foi preso na operação, porque os fiscais do Ibama não estavam acompanhados pela Polícia Federal ou por policiais militares. Mas várias fazendas foram autuadas e parte das cargas apreendida. Os fiscais identificaram as cidades de Bom Jesus da Lapa e Guanambi, na Bahia, localizadas às margens do Rio São Francisco, como os dois mais importantes entroncamentos de negócios para a venda ilegal de carvão destinado às siderúrgicas de Minas Gerais e Espírito Santo.
Na Lapa, os fiscais do instituto identificaram a produtora rural Ana Célia como suposta controladora do esquema no centro-oeste baiano. Segundo o relatório da fiscalização do Ibama, há cerca de dois anos a comerciante chegou a ser convocada pela CPI da Biopirataria da Câmara dos Deputados para explicar por que mandou construir 3,8 mil fornos em suas terras. Xinha, a Rainha do Carvão, como a comerciante é conhecida, aparece com destaque no relatório da autarquia.
A devastação ilegal do cerrado e da caatinga foi descoberta pelos fiscais depois da apreensão de alguns caminhões carregados de carvão e sem autorização para transportar a carga nem a comprovação do Documento de Origem Florestal (DOF). Emitido exclusivamente pelo Ibama, esse documento só é fornecido com a comprovação de que a madeira cortada para fazer carvão ou destinada a outras utilidades tenha origem em área com manejo florestal e expressamente autorizado. Os fiscais suspeitam que parte do carvão vegetal transportado pela Bahia em direção a Minas Gerais também tem origem no cerrado do sul do Piauí.