Brasil

Pesquisa mostra que 70,5% dos brasileiros apóiam aborto de feto anencéfalo

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postado em 28/10/2008 08:27
Sete em cada 10 brasileiros defendem o direito da mulher de abortar quando grávida de um feto anencéfalo (sem cérebro). Entre os católicos, o nível de aceitação é semelhante: 72% não apenas consideram que é opção da mãe interromper a gestação nesses casos, em que o bebê tem no máximo algumas horas de vida, como avaliam que obrigá-la a levar a gravidez até o fim representa uma forma de tortura. Os dados fazem parte de uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) com 2.002 entrevistados de todas as regiões do país, encomendada pelas organizações não-governamentais Católicas pelo Direito de Decidir e Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis). A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), publicamente contrária ao aborto em qualquer circunstância, declarou que a defesa da vida humana não deve levar em consideração estatísticas. O levantamento do Ibope teve como objetivo avaliar como pensam os brasileiros após as discussões sobre aborto de fetos anencéfalos travadas no Supremo Tribunal Federal no mês de agosto e setembro passados. A Corte promoveu o debate porque terá de julgar uma ação, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede a descriminalização da prática. Hoje, tanto a gestante quanto os profissionais que participarem da interrupção da gravidez podem ser punidos com detenção. O processo só deverá ser julgado em 2009. Confirmação Para a antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis, o levantamento feito pelo Ibope confirma os dados apurados em estudo semelhante realizado em 2004. ;Queríamos ver se a opinião das pessoas tinha mudado, especialmente após o caso da menina Marcela de Jesus;, ressalta Débora, referindo-se ao bebê diagnosticado como anencéfalo no interior de São Paulo que viveu mais de um ano, contrariando todos os prognósticos. Durante as audiências públicas no STF, entretanto, especialistas foram unânimes ao descartar a anencefalia de Marcela, que teria outro tipo de má-formação cerebral, mas conservava o cerebelo, o tronco cerebral e parte do lóbulo temporal. Dom Antonio Augusto Dias Duarte, membro da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB, não se convence com a pesquisa. ;O valor da vida humana está em si mesmo, não em estatísticas. Números são bastante relativos;, destaca o religioso, que também é médico pediatra. De acordo com ele, em vez de submeter a mãe à tortura, a Igreja tenta protegê-la quando desaprova o aborto. ;Fazer uma cirurgia para matar a criança e depois realizar uma curetagem é lesivo para a mulher, além dos efeitos psicológicos que isso acarreta;, afirma o bispo. Para a socióloga Dulce Xavier, pesquisadora da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, o levantamento mostra que existem vozes discrepantes dentro da religião católica. ;Talvez esse seja o ponto mais importante, deixar claro que esse grupo que tenta conter o avanço do direito da mulher é minoria dentro da Igreja;, afirma Dulce. Para Michele Gomes de Almeida, 28 anos, que interrompeu a gravidez de um feto anencéfalo em 2004, amparada por uma liminar do Supremo que autorizava o aborto nesse caso em todo o país, cabe somente à mulher decidir o futuro da gravidez. Evangélica e mãe de duas filhas, nascidas depois da gestação problemática, ela considera os dogmas religiosos uma interferência negativa na escolha da mãe. ;Eu não passei por nenhum dilema, foi tranqüilo decidir. Todas as mulheres devem ter o mesmo direito que eu tive;, afirma. Ressalvas da CNBB Dom Antonio Augusto Dias Duarte, membro da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), não entra no mérito da metodologia da pesquisa, mas faz ressalvas quanto aos dados relativos aos católicos. ;Supondo que não houve indução nas perguntas, o fato de ter uma grande proporção de católicos apoiando o aborto de fetos anencéfalos evidencia a falta de formação deles. Apresentar-se como católico não quer dizer que a pessoa seja praticante, que conheça os preceitos da religião;, afirma o bispo. Na avaliação da antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), a metodologia utilizada pelo Ibope, responsável pelo levantamento, não deixa dúvidas. ;É uma pesquisa feita por amostragem, como todas as outras realizadas pelo instituto de opinião, como por exemplo a de intenção de votos nas eleições;, destaca a antrópologa. Para a socióloga Dulce Xavier, pesquisadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, não há motivos para questionar a autodeclaração dos católicos. ;Essa é a forma tradicional de ser católico no Brasil. Existe uma pluralidade tão grande de religiões aqui, que as pessoas se dizem católicos, mas vão ao centro espírita, à igreja evangélica;, destaca Dulce.

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