Pesquisa revela que 0,8% das pessoas com transtornos mentais têm HIV

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postado em 12/11/2008 09:03

Estigmatizados, segregados e vítimas de preconceito, os portadores de transtornos mentais também foram esquecidos pelas políticas de prevenção da Aids. Uma pesquisa inédita do Ministério da Saúde, realizada com 2.238 pacientes, em 11 hospitais psiquiátricos e 15 Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), revelou que 0,8% deles são portadores do vírus HIV. Entre a população em geral, o índice é de 0,61%. De acordo com o coordenador do estudo, Mark Drew Guimarães, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), isso não significa que a incidência é maior entre os doentes mentais, já que a diferença percentual é pequena. Ele diz, porém, que os dados revelam a necessidade de estratégias na área de prevenção para os pacientes que, ao contrário do que se possa imaginar, têm uma vida sexual ativa. Oitenta e oito por cento dos entrevistados relataram já ter tido relações sexuais ; 61,3% passaram pela experiência nos últimos seis meses. O coordenador de Saúde Mental do ministério, Pedro Delgado, afirma que os resultados não deixam de ser positivos. ;Mostram que o fato de estarem em tratamento não impede essas pessoas de terem uma vida normal no exercício de sua sexualidade. Isso reduz os estigmas;, diz. ;Por outro lado, elas estão numa situação na qual necessitam se proteger.; Não é o que vem ocorrendo. Apenas 7% dos entrevistados que já tiveram relações sexuais afirmaram ter usado camisinha em todas as ocasiões. No restante da população brasileira, o percentual é bem mais alto: 33%. Os pacientes pesquisados demonstraram conhecer os riscos do sexo desprotegido. ;A percepção do risco existe. O fato de alguém ser psicótico não quer dizer que não sabe se proteger;, diz Pedro Delgado. Para a equipe do Ministério da Saúde, o problema está na falta de programas de educação sexual, como palestras, oficinas e cursos, integrados ao tratamento psíquico. Somente 26,9% das unidades que participaram do estudo realizavam tais programas. ;O que falta é a saúde pública reforçar as iniciativas de promoção do sexo seguro;, conclui o coordenador de Saúde Mental. Pobreza Outra preocupação relatada pelos pesquisadores que fizeram o estudo é a situação econômica dos pacientes que dependem do Sistema Único de Saúde, o que os torna mais vulneráveis. Dos entrevistados, 18% já foram moradores de rua, somente 10,3% tinham plano de saúde e 51% tinham renda familiar igual ou menor a um salário mínimo. ;A pobreza, a exclusão social e a vulnerabilidade dessa população a agravos diversos de saúde além do sofrimento mental, entre os quais as doenças infecciosas e as sexualmente transmissíveis, impõem que se repensem as atuais estratégias setorializadas, focalizadas exclusivamente nas ações em prevenção e atenção em saúde mental, estendendo-as para uma visão mais ampla de saúde coletiva. Em outras palavras, isso significa compreender a reforma psiquiátrica na perspectiva da reforma sanitária brasileira;, alertam os pesquisadores que redigiram o estudo. De acordo com Pedro Delgado, a parceria entre as áreas de Saúde Mental e de DST/Aids para promover o acesso à educação sexual aos pacientes psiquiátricos começará no ano que vem. Diretor-clínico do Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte, uma das cidades onde a pesquisa foi realizada, o psiquiatra Paulo Sérgio Dias Araújo concorda com a urgência de uma política integrada e específica para os pacientes com distúrbios mentais. ;Não adianta nada o esquizofrênico ouvir na televisão que deve usar camisinha;, alerta. Segundo ele, alguns transtornos podem acentuar a libido, aumentando o risco de infecção caso o sexo não seja seguro. ;A demência e o transtorno bipolar na fase maníaca, por exemplo, levam a pessoa a uma redução da crítica, ao mesmo tempo em que se pode ter um hipererotismo;, afirma. Bipolar, a bibliotecária Sandra*, 45 anos, é casada há uma década, tem vida sexual estável mas afirma que, quando passa pelas crises, fica fora de controle. ;Você faz loucuras mesmo porque não tem noção de nada, age compulsivamente e a depressão só vem depois da coisa já feita;, conta. ;Não tenho vergonha de falar que sou bipolar porque levo uma vida normal. Mas existe grande falta de informação sobre a doença que pode interferir, sim, até na questão sexual.; *nome fictício Sem preservativos Assim como no restante da população, os pesquisadores observaram que, entre portadores de distúrbios mentais, prevalece a idéia de que a Aids é ;doença do outro;, o que os eximiria da proteção. Embora soubessem dos riscos da doença, associada, de acordo com as respostas, à morte, poucos mostraram conhecimento sobre os meios de transmissão. Entre os homens, apenas um descreveu o vírus e as formas de contágio de maneira clara aos pesquisadores. ;Um dos entrevistados se referiu à Aids como proveniente de ;um micróbio que come a pessoa;, relatando que já ouviu falar que ;vem pelo sexo e sangue;, sendo esta a representação de todos sobre a transmissiblidade;, diz o estudo. ;Além disso, alguns lembram que é doença que ;pega só de sentar;, que ;pega no beijo; e ;no abraço;;, continua o texto, confirmando a necessidade de mais esclarecimentos a respeito da doença. Além da falta de informações, a distribuição de camisinha é baixa: ocorre em apenas 30% dos serviços.De acordo com o estudo, o motivo alegado para a não distribuição de preservativos foi a falta de fornecimento pelas unidades básicas. ;Uma instituição identificou o serviço como local impróprio para tanto, onde se acreditava que não poderia haver relações sexuais. Outra indicou como pressuposto que os pacientes não mantinham relações sexuais durante a internação;, diz o estudo. Um dos centros, porém, relatou a existência de visitas íntimas aos pacientes. ;A pesquisa mostra claramente o problema do acesso ao preservativo. Este ano, o governo federal comprou 1 bilhão de camisinhas para distribuição e vai adquirir mais 1,2 bilhão para incluir nesses serviços (de atendimento aos portadores de distúrbios mentais);, diz a diretora nacional do programa de DST/Aids, Mariângela Simão. A preocupação não é apenas com a Aids. O estudo verificou a estimativa de ocorrência de outras doenças sexualmente transmissíveis: sífilis, hepatite B e hepatite C. As taxas mais elevadas de sífilis e HIV foram verificadas entre mulheres mais jovens. Já as hepatites B e C tiveram incidência maior entre homens mais velhos. Ouça entrevista com Mariângela Simão, diretora nacional do programa de DST/Aids do ministério da Saúde: