Brasil

País vive explosão nos casos de Aids entre pessoas com mais de 50 anos

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postado em 14/11/2008 09:12
Décadas de um casamento tranqüilo, oito anos de viuvez e, enfim, um novo amor. Há um ano, Edna*, hoje com 53, casou-se novamente. Sempre rigorosa com a própria saúde ; nunca fumou nem bebeu ;, ela estranhou quando começou a perder peso sem uma explicação aparente. Depois de muitos exames, a endocrinologista pediu o teste de HIV. Resultado positivo nas mãos, a reação da própria Edna e dos três filhos foi a mesma: ;Mas nessa idade, como é que alguém pode ter Aids?;, lembra a mulher, diagnosticada três meses atrás, após ser infectada pelo atual marido. Apesar do espanto, ela faz parte de um grupo cada vez mais numeroso no Brasil. De 1996 para cá, o maior crescimento da incidência do vírus HIV ocorreu entre pessoas de 50 anos ou mais ; um salto superior a 150% (veja o quadro). A estatística assustadora só perde para os registros da doença entre crianças de 5 a 12 anos, que subiram 174%. Nesses casos, a transmissão ocorre quase sempre de forma vertical (de mãe para filho, durante a gestação, parto ou amamentação). Preocupado com a escalada do problema entre os mais velhos, a campanha do Ministério da Saúde deste ano terá o foco nessa população. O lançamento será em 1º de dezembro, Dia Mundial de Prevenção contra a Aids. A idéia, de acordo com Eduardo Barbosa, diretor adjunto do programa nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, é propagar a idéia de que sexualidade não tem idade. Para atingir o público-alvo, a divulgação priorizará locais como bailes da saudade e grupos da melhor idade. ;Discussões sobre sexualidade e prevenção não chegam até eles, porque a sociedade não os enxerga como pessoas com vida sexual ativa;, destaca Barbosa. Aversão Aumento da expectativa de vida, relações sociais mais intensas, o surgimento de estimulantes sexuais e o hábito de não usar preservativos explicam a explosão dos casos de Aids na população mais velha. ;Embora não estejamos lidando com o idoso à moda antiga, eles conservam alguns recalques culturais;, destaca o infectologista José David Urbaez Brito, do programa DST/Aids da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Um deles é a aversão à camisinha. ;Primeiro vem o medo de, ao ter que usar o preservativo, perder a ereção. Depois, com os estimulantes sexuais, os homens começaram a ter relações com pessoas mais jovens. E aí não querem usar camisinha mesmo;, diz o médico Jean Carlo Gorinchteyn. O especialista comanda o ambulatório do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, um dos únicos no país especializado em Aids na terceira idade. Em dezembro de 2004, ele tinha 25 pacientes. Hoje, são cerca de 100. O perfil da população mais velha portadora do vírus, de acordo com o infectologista, é parecido ao da adulta com menos de 50 anos: maioria masculina (80%), casada e que se diz heterossexual (75%). Cerca de 80% da mulheres foram infectadas pelos maridos, que muitas vezes só conhecem sua condição de soropositivo depois que a esposa descobre. Caso de Edna. O marido, 10 anos mais jovem que ela, sofria com feridas esporádicas na boca, febres sem explicação, gripes recorrentes, mas se automedicava. ;A gente nunca pensa que isso vai acontecer com alguém na nossa idade. Depois do meu diagnóstico, ele fez o teste e descobriu. Já estava com uma carga viral lá em cima;, conta Edna, que nunca usou camisinha. ;Para nós, isso não faz parte da rotina. Mas agora aprendi a lição;, destaca. Depois de alguns dias de desespero, ela decidiu enfrentar a doença. ;Contei para meus filhos e quatro amigas mais próximas. O preconceito é grande, mas temos que seguir em frente.; Além da conscientização sobre sexo seguro por parte da população mais velha, é preciso que a classe médica olhe esses pacientes de outra forma, segundo Gorinchteyn. ;Nós também ignoramos a sexualidade na vida deles. Uma pneumonia oportunista no jovem nos leva a pensar no HIV. No idoso, fazemos 500 investigações até chegar a essa suspeita;, reconhece o médico. Um dos desafios dos especialistas, nesses casos, é conciliar a medicação anti-retroviral, que engloba pelo menos três remédios fortes, com doenças preexistentes relacionadas à velhice, como colesterol alterado, diabetes, problemas renais ou hipertensão. ;É aí que você aplica a arte da medicina. Tem que ir testando os medicamentos, fazendo avaliações, até chegar à dosagem ideal;, diz o infectologista Brito. *Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada Falta conscientização A primeira campanha de Aids do governo federal com foco na população de 50 anos para cima, que será lançada em dezembro, é vista por especialistas como uma iniciativa positiva, mas não suficiente. O infectologista José David Urbaez Brito, do programa DST/Aids da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, defende que o trabalho se dê em ações pontuais. ;Oferecer o teste durante campanhas de vacinação contra gripe, dar palestras, instruir o cardiologista a estimular o uso de camisinha quando o paciente comenta que tomou um estimulante sexual são boas atitudes para prevenir a doença;, ressalta. Na avaliação do infectologista, os estimulantes sexuais, remédios que estão entre os mais vendidos no Brasil, trouxeram fervor ao cotidiano dos mais velhos. No entanto, eles não foram acompanhados de uma conscientização da população. ;É muito sedutor para aquele senhor, que já perdeu os pais, já perdeu muitos amigos, voltar a ter uma rotina sexual. Também para a mulher, que tem a auto-estima elevada;, analisa. Bailes Victor Eloy da Fonseca, coordenador da instituição Nosso Sonho, que trabalha com idosos soropositivos no interior de São Paulo, acompanha de perto o vigor dos mais maduros. A região onde fica a ONG é ligada por 10 pequenos municípios que, juntos, reúnem 13 associações de melhor idade. Os bailes semanais organizados pelas entidades incrementam a vida social dos idosos da região, onde houve um incremento de 343% na incidência do HIV entre 2004 e 2005. A escalada levou a ONG a fazer um trabalho de conscientização sobre uso de preservativos na porta das festas. A primeira tentativa, com folhetos e cartazes, não deu certo. ;Muitos já têm dificuldade de leitura, passam com pressa na entrada;, explica Victor. Depois, foi tentada a distribuição de camisinhas. ;Também não deu em nada, porque eles ficam receosos ou até mesmo bravos;, esclarece o coordenador da Sonho Nosso. O jeito foi usar a brincadeira. A instituição criou personagens ; palhaços, padres, mamas italianas ; para distribuir o preservativo. ;O lúdico chama a atenção e eles ficam até sem graça de não entrar na brincadeira.; Muitos, segundo Victor, não conhecem o preservativo. ;A gente entrega e eles pensam que é sonrisal, balinha;, conta. Para driblar constrangimentos, vale tudo. ;Falamos logo: olha, não é para o senhor. Leve para o seu neto, sobrinho;, Victor.

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