postado em 16/11/2008 09:40
Cartas do Distrito Federal são verdadeiras preciosidades nas pilhas de papel que chegam todos os dias à Ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Enquanto a central recebe cerca de 80 correspondências diariamente vindas do país inteiro, a capital federal mandou 20 durante todo o ano de 2007. O motivo, segundo ex-detentos, autoridades e pessoas ligadas ao movimento dos direitos humanos, é a perseguição sofrida pelos presos que se atrevem a fazer qualquer tipo de denúncia. Em nota, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF informa que ;não existe censura ou represália diante da formulação de alguma denúncia;.As boas condições das seis unidades prisionais ; cinco masculinas e uma feminina ; são apontadas pelo governo local como um dos motivos de não haver tantas reclamações, lembrando que o sistema daqui foi apontado como um dos três melhores do país pela CPI do Sistema Carcerário da Câmara dos Deputados, realizada este ano. O número pequeno de presos, cerca de 7,5 mil, se comparado a outros estados do resto do país, também poderia explicar a média de uma correspondência a cada 20 dias ao Depen. Entretanto, os relatos de quem conhece a realidade dos cárceres do Distrito Federal de perto, inclusive familiares de presos, mostram uma realidade bem menos cor-de-rosa.
Eduardo*, de 30 anos, 10 deles passados atrás das grades por homicídio, era conhecido no presídio como ;o das cartas;. Esclarecido, o rapaz sempre tentava acionar autoridades ligadas aos direitos humanos, promotores de justiça, defensores. A tática era mandar cartas por meio das visitas. ;Pedia para meu familiar tirar cópia e mandar para tudo que fosse lugar. Entregar para o chefe de pátio é suicídio;, lembra Eduardo, atualmente em liberdade condicional.
Certa vez, após a direção do presídio proibir a instalação de varal de roupas nas celas por conta de uma fuga feita por um grupo pelo teto, ele organizou um abaixo-assinado com duas cópias. Uma foi para fora da cadeia e a outra, para o diretor. ;Esse foi meu erro. Quem reivindica alguma coisa lá dentro leva castigo. O meu foi ir para o pátio disciplinar;, lamenta.
O pátio disciplinar, onde o banho de sol é reduzido, não há televisão e o detento muda de cela a todo momento, também abrigou outro preso tido como insolente. Fábio*, de 46 anos, passou 11 na cadeia. Há três semanas ele saiu, está em prisão domiciliar. Apesar da pouca instrução formal, ele se expressa bem, conhece as leis e sabe dos próprios direitos. Por conta disso, conta ele, era perseguido pelos funcionários da prisão. ;Eles têm raiva de quem entende das coisas, sabe se defender. Só não fui espancado ou torturado lá dentro porque conseguiria denunciar, a não ser que me matassem. Minha arma era conhecer a lei;, diz.
Rigor
Ele chegou a receber uma carta de resposta do Depen, certa vez. Mas outras, que enviava por meio da própria direção do presídio, ele acredita que nunca devem ter chegado ao destino. Eduardo se ressentia quando recebia cartas de familiares ou amigos com seis meses de atraso. ;Não dava nem para ter uma conversa contínua com alguém, porque passava tanto tempo;, diz o ex-detento. Aparecida*, mãe de um rapaz que está na cadeia no momento, conta que o regime é rigoroso para evitar que familiares saiam do local com bilhetes ou correspondências de presos. ;Eles fazem a revista também na saída daquelas visitas que têm os parentes lá dentro mais engajados;, destaca.
Uma carta recebida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal repete a reclamação de Aparecida. ;; caso a visita (homem ou mulher) for (sic) encontrado com uma carta/denúncia aos direitos humanos ou juiz de vara de execuções criminais, a direção (juntamente com a gerência de vigilância) leva o ;infrator; a uma sala de interrogatórios ; e por incrível que pareça suspende a visita;, relata o detento. Aparecida questiona a prática. ;Se tudo é perfeito e lindo lá dentro, por que não deixam as cartas saírem? O máximo que pode acontecer é ir alguma fiscalização e verificar que tudo o que os presos falam é mentira;, ironiza a senhora.
Na carta de um outro detento, mais reclamação: ;; Não temos contato com o mundo exterior, além de nossas correspondências serem violadas, nem sempre nos são entregues;;, diz. A abertura de cartas nas cadeias já foi tema de deliberações do Supremo Tribunal Federal, que entendeu como direito relativo do preso a inviolabilidade da correspondência, só podendo ser quebrada em caso concreto de perigo para a segurança. ;O que tem acontecido é o próprio detento enviar com o envelope aberto;, afirma José de Jesus Filho, advogado da Pastoral Carcerária.