Brasil

No Rio, criatividade ajuda a driblar falta de material didático sobre história afro-brasileira

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postado em 17/11/2008 18:49
Do Colégio Estadual Professora Suely Motta Seixas, o aluno Jordy Lázaro, de 13 anos, prepara cartazes sobre personalidades afrodescendentes para exposição anual sobre o Dia da Consciência Negra. A escola da periferia de São Gonçalo, região metropolitana do Rio, desenvolve estratégias para aplicar a Lei 10.639, que obriga o ensino da cultura e história afro-brasileira nas unidades públicas e particulares de nível fundamental e médio. De acordo com uma das professoras que orienta os trabalhos, a historiadora Regina Fátima Araújo, a exposição resulta do trabalho de um ano. O colégio contorna a falta de material didático específico com criatividade e, a partir do 5º ano do ensino fundamental, aplica o conteúdo. ;Ninguém dispõe de todo o material necessário. Vamos construindo, colhendo coisas da internet, dos livros. Isso também faz parte aprendizado;, garante. Na escola, os alunos das séries iniciais têm aulas sobre a história da África antes da escravidão, civilizações antigas como a egípcia e geografia do continente. No ensino médio, explica Regina, as aulas enfocam o processo de exclusão dos negros na sociedade brasileira, como as medidas que os impediram de freqüentar a escola e de votar, a chamada Lei de Terras, até os dias atuais. Experiências como a do colégio estadual são exemplos para todo o país. De acordo com uma das responsáveis pela cartilha do MEC que orienta a aplicação da lei, Petronilha Beatriz, professora da Universidade Federal de São Carlos, o ensino da história e cultura afro-brasileiras ainda não é realidade nas escolas e depende da iniciativa de professores. Segundo ela, há também um equívoco quando os docentes resumem o conteúdo à escravidão e ao tráfico de africanos. ;Não é só isso. É também a história dos reinos da África antes e depois. É a diferença entre os processos de escravização pelo mundo e o que se abateu sobre a África ; o mais cruel ;, sobretudo, as construções de hoje;, afirmou. ;Há uma cultura da inferioridade que tem que ser rompida;, reforça. Para fazer com que as escolas do estado do Rio cumpram a lei, o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) cobrou na Justiça os currículos de nove das principais escolas públicas e particulares do município e pediu ao Ministério Público abertura de inquérito nas demais cidades do país. De acordo com o Iara, as escolas não têm se adequado, alegando falta de material didático, recursos, capacitação e até mesmo professores, o que o advogado da instituição, Humberto Adami, chama de ;os quatro não;. Para ele, esses entraves não justificam o argumento de que a lei não pode ser aplicada. Segundo o advogado, o que atrapalha é falta de compromisso da direção das escolas e de acompanhamento pelos gestores estaduais e municipais. ;Acaba que fica a critério dos professores, que decidem se vão e como vão aplicar a medida;, afirmou. Esse mês, o Iara recebeu os currículos das nove escolas do Rio. Agora, pretende solicitar à Justiça um perito para examinar os documentos. "Alguns tentam enganar, dando aula de samba, capoeira. Não é isso", disse Adami. De acordo com a Secretaria de Educação do estado, não há nenhuma determinação que obrigue os gestores a acompanhar o cumprimento da Lei 10.639, principalmente na rede privada. Nas 1,6 mil escolas públicas, segundo a assistente de coordenação de Diversidade e Inclusão Educacional da secretaria, Mariléia Santiago, há estímulos como cursos em universidades para professores e site para troca de experiências. No entanto, ela também reconhece que o ensino do conteúdo ainda depende da boa vontade dos educadores. ;Nós orientamos que a lei seja aplicada, mas depende muito do professor em sala de aula. Orientamos para que o tema seja trabalhado dentro do projeto político pedagógico da escola, no dia-a-dia, mas tem professor fazendo separado, que é até mais difícil.; O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino (Sinep), entidade que representa parte das escolas privadas do Rio, informa que as filiadas cumprem a medida na concepção transversal, que integra o ensino da história e cultura afro-brasileira às aulas de história, literatura e artes, conforme diz a lei. A presidente do Sinep, Cláudia Regina Costa, descarta dificuldades e avalia que o conteúdo já faz parte das grades curriculares. Para ela, entraves como a falta de professores especializados e de material didático não representam problemas. ;Basta apertar enter nos sites de busca na internet;, afirmou.

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