Brasil

Reserva de vagas por renda divide Congresso

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postado em 22/11/2008 09:23
Cotas, sim, mas por tempo limitado. Especialistas em educação ouvidos pelo Correio garantem que as políticas afirmativas para o acesso à universidade são fundamentais para corrigir a exclusão de negros, índios e pobres do sistema de ensino, mas desde que acompanhadas pela melhoria da educação brasileira. Para eles, o projeto de lei aprovado na quarta-feira pela Câmara dos Deputados, que destina 50% das vagas nas instituições federais a afrodescendentes e estudantes de baixa renda, tem de durar até que esses alunos consigam entrar nas universidades sem precisarem de nenhuma ferramenta inclusiva. A proposta ainda precisa passar pelo Senado. Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor especial da Unesco Célio da Cunha, as cotas não representam a solução ideal, mas é o que pode ser feito por enquanto. ;O ideal seria uma ampla melhoria do ensino básico, mas, no Brasil, o combate à discriminação ainda evolui muito lentamente;, diz. De acordo com o estudo Perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das instituições federais de ensino superior, feito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, apenas 3,9% dos estudantes em 53 estabelecimentos pesquisados pertenciam à classe D. Os da classe E eram tão poucos que não representaram pontos percentuais. Os que se declaravam brancos eram 69%. Célio da Cunha lembra que ainda existem 14 milhões de analfabetos no país e que a abolição da escravatura ocorreu tardiamente. Por isso, o especialista diz que a aprovação do projeto representa ;um gesto político de grande alcance;, mas alerta: ;As cotas nunca poderão ser eternas. Será preciso, inlcusive, avaliar os efeitos, as conseqüências e os impactos (da adoção da lei) e, se necessário, calibrar as medidas;. O sociólogo e doutor em educação Jorge Werthein, diretor executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, concorda: ;Adotar as cotas é reconhecer que o país tem um problema estrutural de desigualdades. Reconhecer isso é um passo importante, mas insuficiente. Esperamos que no menor prazo possível não precisemos mais nem de cotas nem de políticas como o Bolsa Família;. Para o professor da Faculdade de Educação da UnB Carlos Augusto de Medeiros, também favorável às cotas, não se pode deixar em segundo plano a melhoria na qualidade do ensino só porque o sistema de reserva de vagas tem chances de virar lei. ;O Estado tem de se organizar no menor tempo possível. Não se pode pensar em deixar tudo com a justificativa de que lá na frente os ;coitadinhos; vão ter acesso à universidade federal de qualquer jeito;, diz. O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Mário Theodoro, organizador do recém-lançado livro Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas 120 anos após a abolição, só viu um defeito no projeto aprovado pela Câmara: a exigência de que os alunos sejam egressos da escola pública. ;Há escolas particulares muito boas e outras nem tão boas assim. Quando o negro estuda nas particulares, geralmente são nas piores;, alega. Ele rejeita teses contrárias às cotas, como a de que a reserva de vagas fere a isonomia dos cidadãos ou a de que a ciência não admite a existência de raças. ;Tratar igualmente as pessoas que tiveram oportunidades desiguais é algo perverso. E dizer que não há raça no Brasil é tapar o sol com a peneira. Todos sabem que os negros estão mais condenados à pobreza;, diz. Resistência no Senado A reserva de cotas em instituições de ensino federais aprovada pela Câmara encontra resistência no Senado. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC), autora do projeto aprovado pelo Senado e alterado na Câmara, discorda da cota por renda aprovada pelos deputados e afirmou que vai defender a manutenção do texto dos senadores em nova votação na Casa. Ela argumenta que a reserva para os estudantes que cursaram escolas públicas já atenderá aos alunos de família de baixa renda. ;O critério de corte por renda vai restringir o acesso dos estudantes;, afirmou a senadora. ;Aparentemente, é muito justo, mas, por inviabilizar (para alguns), fica muito injusto;, afirma. Ex-ministro da Educação, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) diz que a cota por renda é uma forma de ;enganar a população;, porque ela não terá aplicação na prática. ;As pessoas pobres não terminam o ensino médio. É uma cota enganosa para desviar o assunto e dizer que, agora, os pobres podem entrar na universidade. Vai beneficiar muito pouco;, critica Buarque. O senador defenderá a restituição do projeto de Ideli na nova votação do projeto no Senado.

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