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Brasil é julgado hoje no tribunal da OEA por violação dos direitos humanos

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postado em 03/12/2008 09:00
O governo brasileiro senta hoje no banco dos réus durante uma audiência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). Terá que se explicar por que não tomou providências para apurar suposta ilegalidade em interceptações telefônicas realizadas em 1999 pela Polícia Militar do Paraná, autorizada pela juíza Elizabeth Khater, da comarca de Loanda, interior do estado. A Corte vai julgar denúncia feita em dezembro de 2000 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e pela Comissão Pastoral da Terra(CPT), assessoradas pela ONG Justiça Global e pela Rede Nacional de Advogados Populares (Renap). As entidades argumentam que a magistrada autorizou ilegalmente o grampo de uma linha telefônica de duas entidades ligadas ao MST: a Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais (Adecon) e a Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (Coana). Além disso, a Polícia Militar teria grampeado outra linha, além da autorizada pela juíza. Com a ação, 32 pessoas foram monitoradas, sem estar respondendo a qualquer inquérito ou processo. Entre os que tiveram suas conversas gravadas, estão o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, e um dos dirigentes do movimento, Gilmar Mauro. Os peticionários, como são classificados no processo os autores da denúncia, solicitam que a CIDH declare o estado brasileiro responsável por violações às garantias e proteções judiciais, à proteção da honra e da dignidade e à liberdade de associação. Se a Corte acatar a íntegra do pedido da denúncia, a União federal terá que realizar uma investigação completa para apurar os fatos e a responsabilidade no âmbito cível e administrativo das pessoas envolvidas no grampo. Outro crime apontado na denúncia é a divulgação das conversas, feita por Cândido Manoel de Oliveira, então secretário de segurança do Paraná. Oliveira teria determinado o pedido de quebra de sigilo à juíza Elizabeth Khater, formalizado pelo major da PM Waldir Copetti Neves. Contrangimento Depois da audiência de hoje, a Corte Interamericana decidirá até junho do ano que vem se acata os pedidos de punição. Também é exigido pelo MST e CPT que o governo federal indenize as pessoas monitoradas e seus familiares por danos morais e materiais. Se for condenado, o governo terá de pagas as despesas com o processo. ;É um constrangimento para o governo brasileiro ter deixado que o processo chegasse à Corte Interamericana, simplesmente por não ter cumprido a própria legislação interna de defesa dos direitos humanos;, comenta Renata Lira, coordenadora da Justiça Global. Na sessão de hoje, duas pessoas que tiveram suas ligações gravadas serão ouvidas: a advogada do MST Tereza Cofre e o dirigente do movimento Celso Aghinoni. Os dois são testemunhas de acusação no processo. A representação na OEA, na Cidade do México, também prevê a participação da ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza Rocha de Assis Moura, que atuará como perita no caso. A função dela será explicar o funcionamento do processo judicial brasileiro nos casos de pedido de quebra do sigilo telefônico. O governo brasileiro designou para o julgamento o embaixador Tadeu Valadares, que atuará como advogado de defesa, recebendo assessoria da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH). Recomendações desconsideradas O governo brasileiro desconsiderou as quatro recomendações feitas pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA em março do ano passado, depois de duas audiências com as vítimas do grampo telefônico supostamente ilegal que monitorou 32 militantes do MST em 1999. Por determinação da instituição que compõe a estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil deveria ter realizado uma investigação completa dos fatos, reparar as vítimas moral e materialmente e adotar medidas de educação para funcionários da Justiça e da polícia, para evitar outras violações do direito à privacidade dos investigados. Também constava das recomendações a adoção de medidas para o cumprimento da convenção americana que prevê o direito à livre associação. O Brasil não é obrigado a cumprir as recomendações feitas pela Corte Interamericana. Mas se a instituição da OEA determinar novas providências como exigem os denunciantes, o país poderá sofrer sanções das Nações Unidas e corre o risco de ser questionado nos futuros acordos internacionais sobre o tema. As pessoas grampeadas entraram na Justiça comum pedindo a responsabilização cível, penal e administrativa do grupo por onde passou a ordem e a decisão para a realização do grampo nos telefones das entidades ligadas ao MST: a juíza Elisabeth Kather; o então secretário de Segurança Pública do Paraná, Cândido Manuel Martins de Oliveira; o major Waldir Cpetti, que comandava a PM no interior do estado; o chefe da polícia da época, Valdemar Krestschmer; e o sargento Valdecir Pereira da Silva. Na Justiça brasileira, todos foram inocentados. Para saber mais Diferentes instâncias A OEA possui dois órgãos de direitos humanos: a Comissão Interamericana, com sede em Washington, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que fica em San José, Costa Rica. Qualquer pessoa ou grupo de um país que compõe as Nações Unidas pode apresentar denúncias nas duas instâncias. Se forem comprovadas as acusações, a Comissão emite recomendações. Se não forem cumpridas, o caso sobe à Corte, a última instância para esse tipo de julgamento. Como o Brasil reconheceu a jurisdição das Nações Unidas em 1998, ficou obrigado a cumprir as sentenças determinadas pela instituição. A primeira sentença da Corte da OEA condenando o Brasil foi pronunciada em 2006 e tratava do caso do deficiente mental Damião Ximenes Lopes, torturado e assassinado em um hospital psiquiátrico em Sobral, no Ceará. A responsabilização do governo federal nesses casos ocorre porque a União é a instância que se responsabiliza e assina os acordos internacionais de defesa dos direitos humanos. Logo, é o Estado brasileiro que deve monitorar internamente o cumprimento das legislações internacionais por parte de estados, municípios, entidades e pessoas físicas.

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