Brasil

Relatório mostra amplo desrespeito em relação aos direitos humanos

Relatório retrata um país que não consegue enfrentar as mais flagrantes violações. Mortes por excesso de trabalho e aumento da violência policial são destaques negativos

postado em 05/12/2008 09:18
Cortadores de cana mortos por exaustão, aumento da violência policial, trabalho escravo se espalhando pelo país e índios assassinados são algumas das violações registradas no Relatório Direitos Humanos no Brasil 2008. A publicação, lançada na quinta-feira (04/12), é fruto do trabalho de pesquisa de 22 organizações ligadas à defesa dos direitos humanos e traz um panorama da situação brasileira. O balanço mostra poucos avanços em relação à garantia da dignidade no país. Na avaliação de Maria Luisa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e uma das organizadoras do relatório, o Brasil segue sem enfrentar as causas do desrespeito a direitos básicos, como alimentação e saúde pública. Um capítulo do documento é dedicado aos trabalhadores em canaviais de São Paulo. Segundo o relatório, houve 22 mortes de 2004 a 2008. Os cortadores teriam perdido a vida de tanto trabalhar. A lógica dos ganhos nos canaviais explica a hipótese. Em 1970, a média diária imposta a cada cortador era de 3,5 toneladas de cana por dia. De 1980 a 1990 variou entre 4,5 e 6,10. Na década de 2000, atingiu a marca de 9 a 12 toneladas. A produtividade dita o salário. ;É o motor perfeito para produzir esgotamento humano;, afirma o frei Xavier Plassat, coordenador nacional da campanha da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o trabalho escravo no país. Etanol Levantamento feito nas varas trabalhistas de Batatais, Franca, Sertãozinho ; região próxima à Ribeirão Preto, em São Paulo, que concentra grandes usinas e é chamada de capital mundial do etanol ; mostrou que as reclamações dos cortadores de cana dizem respeito a direitos básicos violados, tais como pagamento de multa de 40% sobre o FGTS, de horas-extras e de seguro-desemprego. Incluindo todos os ramos de atividade do país, houve, até início de outubro, libertação de 3.906 pessoas em condições análogas à escravidão. Em 2007, foram 5.968. Para o frei Plassat, a ligeira queda não significa avanços. ;Acho que o melhor indicador é o número de denúncias, que continua na média de 250 a 280. Claro que devemos considerar como um dado importante a quantidade de trabalhadores libertados. Mas basta um canavial com mil trabalhadores para esse indicador mudar significativamente;, afirma o frade. De acordo com o relatório, a taxa de verificação das denúncias aumentou, chegando a 75%. A média era de 35%. Plassat contesta o dado. ;Hoje, os meios de denunciar são muitos e não conhecemos a totalidade dos registros. Mas houve aumento da fiscalização, criação de equipes regionais, isso é um avanço, sem dúvida;, diz. Antes concentrada na região Norte, a ocorrência de trabalho escravo tem mudado. Até outubro de 2008, foi o Centro-Oeste o maior pólo de exploração de mão-de-obra, com 37% de todos os libertados no ano. Matança policial A violência praticada por policiais também foi analisada no documento. Com dados do Rio de Janeiro e São Paulo, a constatação é de que os agentes de segurança mataram mais civis que no ano passado. O número de mortes subiu de 201 para 245 ; aumento de 21% ; em São Paulo. No Rio, chegou às impressionantes 810 vítimas nos primeiros sete meses de 2008, um acréscimo de 8% em relação aos 744 registros no mesmo período. ;Não existe nada parecido no mundo com o que ocorre no Rio. Pior: a polícia carioca é incentivada a agir assim por uma política equivocada. Quando você entende que não é matando e sim prendendo que se diminui a criminalidade, usando para isso inteligência e tecnologia, as coisas funcionam;, afirma José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública. Ele lembra que, ;numa previsão otimista;, pelo menos 80% das vítimas de violência policial são pessoas pobres. Cerrado sob ameaça O desmatamento foi outro tema mencionado no Relatório Direitos Humanos no Brasil 2008, com atenção especial ao cerrado. A previsão, conforme alerta o documento, é de que a total destruição do bioma poderá ocorrer em 2030, se continuadas as taxas atuais de devastação. Casos de índios assassinados e que se suicidaram também mereceram destaque na publicação. Não houve diminuição dos homicídios contra indígena este ano, em relação ao 2007, ficando numa média de 45 registros. A presença feminina ganhou destaque no relatório. Um caso grave de violação dos direitos femininos apontado no documento é o das mulheres de Mato Grosso do Sul que, depois do estouro de uma clínica de aborto e apreensão de prontuários, foram processadas pelo crime de interrupção voluntária da gravidez. ;Consideramos esse fato muito grave, porque se trata de uma criminalização em massa das mulheres, sem levar em conta outros aspectos sociais, emocionais e de saúde envolvidas;, destaca Soraya Fleischer, antropóloga e consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria. No Brasil, são realizados cerca de 1 milhão de abortos e de 250 mil internações, por ano, decorrentes da prática. Vítimas A polícia do Rio já matou 810 pessoas até setembro, um acréscimo de 8% em relação ao mesmo período de 2007

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação