postado em 27/12/2008 08:46
Se passassem por um exame criterioso, os livros de ciências usados pelos alunos de 5ª a 8ª série da rede pública estariam reprovados. Pelo menos no conteúdo referente à astronomia. Todos os 52 materiais didáticos aprovados e comprados pelo Ministério da Educação (MEC) no ano de 2007 para serem utilizados de 2008 a 2010 nos quatro últimos anos do ciclo fundamental apresentam erros (leia o quadro). Os equívocos foram apontados na tese de mestrado em ensino de ciências apresentada na Universidade de Brasília (UnB), no início deste mês, pela pesquisadora Patrícia Amaral. Para o MEC, as limitações de alguns livros não comprometem o conjunto da obra.
Embora não tenha sido esse o objetivo da pesquisa de Patrícia, que finalizou seu trabalho elaborando um guia para ajudar os professores de ciências em sala de aula, os erros nos livros didáticos foram registrados como um ponto importante. ;Sempre vai haver incongruências nos materiais, isso é natural e já vem sendo apontado por outras pesquisas desde 1997. Não é nada que levará um aluno a ser reprovado em algum teste, por exemplo, mas deve ser corrigido;, explica a mestre em física. De acordo com ela, a falta de intimidade dos autores com a astronomia é o início do problema.
Para se ter idéia, dos 37 estudiosos que escreveram os 52 livros de ciências comprados pelo MEC para alunos de 5ª a 8ª série, nenhum tem formação específica em astronomia, verificou Patrícia em sua pesquisa. ;São pessoas muito preparadas, com doutorado, mas não nessa área que eu analisei;, destaca. Na outra ponta, segundo ela, os professores que estão em sala de aula também carecem de informação sobre o assunto. ;Aí eles caem nessas pegadinhas dos livros, contribuindo para a perpetuação dos erros;, diz Patrícia.
Maria de Fátima Oliveira Saraiva, professora do departamento de astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), lembra que a maioria dos professores de ciências de 5ª a 8ª série tem formação em biologia. ;Eles não viram os assuntos relacionados à astronomia na faculdade, então se apóiam nos livros para passar o conteúdo;, afirma. A professora destaca que os equívocos nessa área em livros didáticos são relativamente comuns. ;Um dos erros mais grosseiros era ligar as estações do ano à proximidade da Terra com o sol. Creio que isso já tenha sido corrigido, inclusive;, diz Maria de Fátima.
Aperfeiçoamento
A saída, segundo Maria de Fátima, é trabalhar na formação complementar dos docentes, com cursos de extensão, aperfeiçoamento e atualização. O ensino de ciências no Brasil é uma das preocupações do Ministério da Educação, especialmente depois de o país ter ocupado a vergonhosa posição de 52º lugar no Pisa, um programa internacional de avaliação feito com 57 países. Participam alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória. A última edição do Pisa, focada em ciências, foi realizada em 2007.
Em nota, o MEC explica que a dificuldade para o ensino de ciências é a falta de domínio de metodologias que relacionem a teoria e a prática, a inexistência de laboratórios e material didático adequado e suficiente e a falta de professores qualificados. A pasta acrescenta, ainda, que tem desenvolvido ações de formação inicial e continuada de professores, apoiando feiras de ciências e as olimpíadas de conhecimentos, além de oferecer suporte para instalação de laboratórios nas escolas estaduais de ensino médio.
O desafio, porém, é grande. Das 16.708 escolas de ensino médio estadual do país, apenas 6.463 (ou 40%) têm laboratório de ciências. No caso das escolas públicas de ensino fundamental, o percentual cai para cerca de 6%. E é nessa fase que se dá o ensino de astronomia, especificamente, segundo Patrícia. ;Se o aluno não continuar na área da ciência, nunca mais vai ver esse conteúdo;, afirma. Ela lamenta que eles aprendam conceitos errados, visto a motivação dos estudantes. ;Os astros trazem um fascínio enorme para eles, diferentemente de outros conteúdos, que são mais decorebas. O bom é que o aluno hoje está cada vez mais informado, ele vê na televisão notícias sobre buracos negros, satélites;, diz.
O número
60%
das 16.708 escolas de ensino médio estadual do país não têm laboratório de ciências
Leia mais: exemplos de erros detectados
Não é a primeira vez que erros em livros didáticos são apontados por pesquisadores. Alguns casos:
Mosquito
Em 2006, a única página de um livro da 6ª série do ensino médio que tratava do mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti, trazia a foto do Anopheles sp, vetor da malária. O equívoco foi apontado pela bióloga Andréa Ribeiro dos Santos, em dissertação de mestrado apresentada no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
AI-5
Quatro coleções de história utilizadas neste ano tinham erros sobre o Ato Institucional 5 (AI-5). Um dos livros atribui ao AI-5 o estabelecimento da pena de morte no país. Outros erram ao apontar ministros do Supremo Tribunal Federal cassados após a publicação do ato ou relacionam o AI-5 à possibilidade de decretar o estado de sítio. O MEC, assim como os autores, reconheceram os equívocos.
África
O historiador Anderson Oliva, da Universidade de Brasília, verificou que muitos livros de 5ª a 8ª série mostravam a divisão do continente ao sul do Saara em apenas dois grandes conjuntos de povos. A tese, afirmou o especialista ao apresentar o estudo, no ano passado, erra ao utilizar unicamente o critério das línguas faladas na região. "É como se tratássemos toda a América Latina como uma sociedade igual", comparou.