Brasil

Cortes ameaçam Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

Orçamento do principal programa de combate ao trabalho infantil sofre redução de R$ 67,4 milhões ao ser aprovado pelo Congresso. Especialistas dizem que qualidade das ações será prejudicada

postado em 25/01/2009 08:43

Criança e adolescente são prioridade absoluta, garante a Constituição Federal. No orçamento, porém, elas não estão em primeiro plano. Principal instrumento de combate à exploração da mão-de-obra de meninos e meninas, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), perdeu R$ 67,4 milhões no texto aprovado pelo Congresso em dezembro passado. A ação mais prejudicada é justamente aquela que busca impedir que os pequenos voltem à labuta. As atividades socioeducativas, realizadas no contraturno escolar, encolheram quase R$ 65 milhões. O projeto enviado aos parlamentares pelo Executivo previa R$ 348,7 milhões para serem distribuídos entre cinco ações (veja quadro). A única que não teve os recursos diminuídos foi a de fiscalização, atividade gerida pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Nesse caso, o valor pulou de R$ 1,6 milhão para R$ 3,6 milhões. Para Helder Delena, coordenador do programa Prefeito Amigo da Criança, da Fundação Abrinq, o aumento, porém, não vai significar grandes avanços. ;O Ministério do Trabalho e Emprego fiscaliza apenas locais legalmente constituídos. É lógico que o trabalho infantil não vai estar nesses lugares. É na ilegalidade que ele ocorre. Deveriam ampliar o leque da fiscalização;, opina. Integrado ao Programa Bolsa Família em dezembro de 2005, o Peti transfere valores que variam de acordo com a renda familiar, do local da residência e do número de jovens participantes do programa que frequentam a escola. Além disso, o MDS cofinancia, por meio do Fundo Nacional de Assistência Social, os serviços socioeducativos, no valor de R$ 20. Atualmente, 872.207 mil crianças e adolescentes de até 16 anos incompletos são atendidos pelo programa. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que o país tenha 5,1 milhões de trabalhadores entre 5 e 17 anos. Ou seja, há mais de quatro milhões de meninos e meninas precisando que o Estado lhes devolva a infância. Ameaça O corte feito pelos parlamentares no Peti ; no total, R$ 11 bilhões de várias áreas foram subtraídos do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) ; vai ameaçar o atendimento, na opinião de José Ricardo Caporal, presidente da Comissão de Orçamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), vinculado à Presidência da República. ;Esses adolescentes que estão tendo oportunidade de promoção não terão mais onde buscar recursos e vão retornar às ruas atrás de complementação da renda familiar, seja pedindo ou trabalhando;, afirma. ;Em vez de reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para carro zero, devemos instituir mais recursos para crianças e adolescentes;, critica. A presidente do Conanda, Maria Luiza de Oliveira, também está preocupada com os cortes. ;A população infanto-juvenil sofre prejuízos imensuráveis. O corte ou vai resultar em menos ações ou ações cada vez menos qualificadas;, prevê. Ela diz que em época de crise financeira mundial, os movimentos sociais estão aflitos com a possibilidade de programas voltados para a área serem minimizados, em nome da recuperação econômica. Helder Delena critica a postura dos parlamentares. ;Mais uma vez, o direito da criança é violado pela falta de investimentos. Esse corte me preocupa bastante. Ao mesmo tempo em que corta o orçamento, o próprio Congresso coloca na pauta a redução da maioridade penal;, diz. ;Se quisermos ter uma linha de ação preventiva, temos de garantir os investimentos agora, e não em prisão para adolescente. Estamos falando de uma perda não só de R$ 67 milhões, mas de projetos de vida.; Vidas como a dos irmãos Beatriz e Rodrigo Ribeiro de Jesus, de 9 e 10 anos, respectivamente. Moradores do Condomínio Fazendinha, no Itapuã, pertencem a uma família de 10 pessoas. O pai é pintor, e a mãe faz serviços de limpeza. Para ajudar em casa, eles vigiavam carros em frente a um supermercado. No ano passado, entraram para o Peti, fazendo atividades no Centro de Orientação Socioeducativa (Cose) do Paranoá. ;Lá, a gente assiste televisão, faz crochê, faz aula de computação e passeia;, enumera Beatriz. ;Gosto mais de lá do que da rua;, conta. Bastante amadurecido para a idade, Lucas Vieira dos Santos, 13 anos, não se esquece do medo que passava na rua, quando vigiava e lavava carros. ;Era muito perigoso. Tinha uns meninos que batiam na gente para roubar nosso dinheiro;, conta. Há dois anos, foi abordado por uma funcionária do Cose do Paranoá, que o convidou a participar do Peti. ;Nesse nosso Brasil, o governo é muito fraco para fazer as coisas. Se eu fosse presidente, ia fazer um instituto para as crianças e tirar todas da rua;, sonha.

MDS quer mais verba A diretora do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Valéria Gonelli, diz estar certa de que o presidente Lula não voltará atrás no compromisso assumido publicamente de não permitir redução dos gastos sociais. ;Estamos fazendo tentativas para recompor o orçamento do Peti junto ao Ministério do Planejamento. A recomposição poderá ocorrer via decreto ou projeto de lei;, diz. ;O valor que enviamos ao Congresso estava comprometido quase 100%. Não tem como não recompor. Em face da própria fala do presidente e do (ministro do Planejamento) Paulo Bernardo, é evidente que o orçamento da criança será priorizado.; Nos últimos anos, porém, não é o que vem ocorrendo. Levantamento do Correio com base no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal mostra que, desde 2005, quando o valor proposto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) foi mantido, o Congresso vem cortando o orçamento do Peti, sem que haja recomposição posterior. ;Mesmo que aprovem um valor maior, isso só vai ocorrer no segundo semestre, porque há uma série de negociações. Então, vai ter de gastar correndo, de forma ineficaz. Não só não se obtém resultado algum, como se perde dinheiro;, lembra Helder Delena. Dos R$ 280,6 milhões aprovados em 2008, por exemplo, somente 86,25% foram, de fato, executados até o fim do ano. A ação referente à fiscalização chegou a dezembro com menos de 50% de aproveitamento. Dos R$ 2,5 milhões autorizados, 43,66% foram gastos. Já a verba reservada para propaganda de utilidade pública, R$ 142 mil, sequer saiu do cofre. No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mais recente, 5,1 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos estão no mercado. Entre 10 e 14 anos, são 1,7 milhão em todo o país, sendo que 53,3% trabalham até 18 horas semanais, sem remuneração. O Nordeste é a região com maior concentração de meninos e meninas trabalhando: 14,4%. No Distrito Federal, 23 mil crianças estão nessa situação, o correspondente a 3,9% da população na faixa dos 5 aos 17 anos. O dado faz de Brasília a unidade da Federação com menor percentual de trabalhadores infantis. No topo do ranking está o Piauí, com 17,4%, mas, em números absolutos, quem lidera é São Paulo, onde 630 mil meninos e meninas estão no mercado.

Cada vez menos recursos Desde 2005, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil sofre cortes tanto no valor inicialmente previsto (dotação inicial) quanto no orçamento final (autorizado). Neste ano, comparando o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) com o aprovado pelo Congresso, a queda foi de R$ 67,4 milhões. A maior redução foi nas ações socioeducativas, que garantem atividades extracurriculares e afastam a criança do trabalho, que perdeu quase R$ 65 milhões. Ano Dotação inicial Autorizado 2005 R$ 541.647.036 R$ 541.647.036 2006 R$ 375.124.786 R$ 359.606.914 2007 R$ 376.875.885 R$ 297.126.761 2008 R$ 335.786.445 R$ 280.669.895 2009* Projeto de Lei Orçamentária R$ 348.706.000 Aprovado pelo Congresso R$ 281.275.379 *Valores referentes à elaboração do orçamento, que ainda não começou a ser executado Fonte: Siga/Senado

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