postado em 04/02/2009 08:15
O Brasil está longe de alcançar as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para o ensino infantil. De acordo com o documento, até 2011, 50% das crianças de zero a 3 anos deveriam estar na creche, e 80% de meninos e meninas entre 4 e 6 anos, na pré-escola. Porém, um cruzamento de dados feito pelo Correio com base no Censo 2008 da Educação Básica mostra que, embora as matrículas em creches tenham crescido 10,9% no ano passado, o índice de atendimento ainda é precário. Somente 16% das crianças estão, de fato, incluídas. Na pré-escola, a taxa é de 55%.
Para alcançar a meta para o atendimento em creches, o país precisaria matricular mais de 1 milhão de crianças por ano até 2011. De 2007 para 2008, o número de ingressantes na primeira fase da educação sequer chegou a 200 mil.
Um desses novos alunos foi Isabela Lopes dos Santos, que aos 3 anos conseguiu ser matriculada numa escola de Ceilândia. Para isso, a mãe da garotinha, Ester Rodrigues dos Santos, 26, precisou recorrer ao conselho tutelar da cidade, em setembro. Desde que a filha tinha 6 meses, Ester tentava uma vaga, sem sucesso. ;Era muito difícil. Eu ganhava R$ 600 e pagava R$ 250 para ficarem com ela o dia todo;, conta. Muito comunicativa, Isabela tem demonstrado avanços significativos desde que ingressou na escola. ;Ela já aprendeu muita coisa, já sabe até contar;, orgulha-se a mãe.
Na pré-escola, o aumento de matrículas em 2008 foi menor do que o das creches. Um crescimento de 0,8%, o equivalente a 37.238 novos alunos. De acordo com a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria do Pilar, o pequeno incremento no número de matrículas na faixa etária de 4 a 6 anos pode ser atribuído ao fato de 51,83% do país já ter adotado o ensino fundamental de 9 anos. A medida tende a esvaziar o último ano da pré-escola, antigo jardim 1, pois as crianças de 6 anos migram para o ensino fundamental.
No entanto, Pilar reconhece que o atendimento na creche ainda é baixo. ;Estamos longe de chegar aos 50% previstos pelo PNE;, diz. Mesmo assim, a secretária conta que o aumento das matrículas foi motivo de comemoração no MEC. Ela lembra que a consciência sobre a importância dessa etapa da educação foi adquirida há pouco tempo pelos gestores municipais e estaduais. ;Demorou para que o cuidado com a criança de 0 a 6 anos saísse da ótica da assistência social e fosse assumida pela educação;, analisa.
O financiamento do ensino infantil pelo governo federal só virou realidade com a sanção do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2007. Com a medida, cuja aprovação no Congresso dependeu de muita negociação, já que a maioria dos prefeitos era contrária, o governo federal passou a transferir a verba para a rede municipal, de acordo com o número de matrículas. O dinheiro para a construção de creches não sai do fundo. Porém, o MEC, por meio do programa ProInfância, faz repasses extras para municípios que assinaram o compromisso Todos pela Educação, com o objetivo de construir creches e pré-escolas.
Investimentos
De acordo com a assessoria de imprensa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entre 2007 e 2008, o ProInfância investiu na construção de 973 escolas em 939 municípios. Para este ano, a meta é financiar mais 500 unidades, com um orçamento previsto de R$ 441,47 milhões.
O especialista em educação infantil Vital Didonet, consultor da Organização Mundial para Educação Pré-escolar, reconhece o empenho do MEC para promover no ensino infantil, mas diz que só o ProInfância é pouco. ;O programa responde a 10% das necessidades;, diz. Para ele, além de destinar verbas maiores à ação, o Congresso precisa alocar mais recursos para os municípios, aprovando emendas parlamentares com o objetivo de construir creches.
A responsabilidade do ensino infantil é municipal, porém, a maioria das cidades brasileiras não possui receita suficiente para se manter. Cerca de 10% dos municípios arrecadam 85% do total de impostos do país. Enquanto isso, pessoas como Marco Bento de Sousa, 41 anos, sofrem sem conseguir ver seus filhos matriculados na escola. Pai do pequeno Kellvin Gabriel, 3 anos, o serralheiro cria o menino sozinho e, desde outubro passado, está à procura de uma creche que o menino. ;Eu preciso trabalhar e não tenho com quem deixar o Kellvin. Eu levo ele comigo para o trabalho, mas é perigoso, pode acontecer algum acidente;, diz. Ansioso para estudar, o menino enumera as vantagens da escola: ;Lá, vou brincar e escrever. É bem legal;.
DF registra aumento
O Distrito Federal foi a unidade federativa com maior incremento no número de matrículas em creches, na comparação de 2007 com 2008. Houve 43,1% de aumento, enquanto a média do país foi de 10,9%. Porém, em relação à pré-escola, a quantidade de alunos matriculados caiu 15,9%. A subsecretária de Planejamento e Inspeção de Ensino do GDF, Solange Paiva, explica que, além de 1/3 das escolas já terem adotado o ensino fundamental de nove anos, absorvendo parte dos alunos da educação infantil, praticamente 100% das crianças de 4 e 5 anos já estão matriculadas.
Apesar do crescimento expressivo das matrículas nas creches, a rede pública do DF absorve menos de 10% da população de 0 a 3 anos. De acordo com Solange Paiva, a proposta para incluir crianças de baixa renda e em situação de risco social é adaptar os jardins da infância para transformá-los em creches. ;Houve muito barulho por causa dessa ideia, mas o pessoal que trabalha no Plano Piloto precisa de creche integral para os filhos. Se não há demanda para a pré-escola, temos que reformular a estrutura;, defende.
Demanda
A subsecretária lembra que a matrícula em creches não é obrigatória. ;Não posso oferecer vaga pensando no número de crianças de 0 a 3 anos, porque o ensino infantil não é obrigatório. Então não há essa demanda. Temos de suprir a necessidade de famílias que estão desempregadas e não recebem o auxílio-creche;, diz. O benefício ; ao qual todo trabalhador com filhos pequenos tem direito ; varia de R$ 199,06 a R$ 398,13 por dependente.
A conselheira tutelar Selma da Costa, de Ceilândia, discorda. Para ela, a creche pública deve ser oferecida para todos que quiserem, e não só para aqueles que estão em situação de risco social ; o que também, segundo ela, não vem ocorrendo no DF. ;Vários estudos mostram que os três primeiros anos de vida são fundamentais para a formação da criança. Todos os dias, recebemos vários pais no conselho, que tentam, às vezes por mais de um ano, uma vaga para os filhos;, conta.