Brasil

Orçamento da Funai deste ano é o maior desde 1995

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postado em 08/02/2009 10:05
Criada há mais de 40 anos para executar a política indigenista do governo, a Fundação Nacional do Índio (Funai) trocou a bandeira da demarcação de terras pela promoção do ;etnodesenvolvimentismo;. Criada ao gosto dos antropólogos, a expressão significa que o principal objetivo da entidade, agora, é incorporar uma população de quase 1 milhão de pessoas das 225 etnias à economia do país, sem alterar o modo de vida nas aldeias. Com a conclusão do levantamento das últimas grandes áreas a serem demarcadas, a intenção do governo é fazer com que, a médio prazo, a população indígena possa sobreviver com suas próprias pernas. Para isso, o governo pretende reforçar a fundação. Depois de alguns anos relegada ao esquecimento administrativo e ao desprestígio político, a Funai vai ganhar um orçamento de R$ 155,6 milhões para custeio e investimento, um aumento de 17,7% comparado ao que foi executado no ano passado. É o maior volume de recursos desde 1995. A intenção do governo é incentivar cada vez mais a educação indígena, que hoje já atende cerca de 450 mil pessoas que vivem nas cidades. O presidente da fundação, Márcio Meira, anunciou o lançamento de edital ainda este ano para a realização de concurso público, prevendo a contratação de 3,1 mil novos funcionários. Até 2011, eles serão incorporados aos atuais 2 mil servidores. ;Vamos ter um novo desenho institucional, uma vez que o atual não atende as reivindicações indígenas;, prometeu Meira. A fundação deixará de ser o paraíso dos antropólogos. Os novos contratados serão economistas, biólogos, ambientalistas, agrônomos e economistas, encarregados por projetos que possam aplicar a nova política de desenvolvimento. Ainda neste ano, a fundação vai abrir 60 novas vagas para profissionais de nível superior, que serão contratados por tempo determinado e vão trabalhar na sede da instituição, em Brasília. A entidade também passará por uma reforma no organograma, com a redefinição das funções dos diretores, dos 45 administradores regionais e das 37 chefias dos postos que ficam em aldeias. Paralelamente ao reforço institucional, o governo trabalha para conseguir aprovar, no Congresso Nacional, a criação do Estatuto do Índio e do Conselho Nacional de Política Indigenista(CNPI), que substituirá a atual comissão interministerial. O conselho dará um reforço político à gestão do setor, será presidido pela Funai e terá a participação de ministros, organizações não-governamentais e entidades representantes das aldeias. Antes das mudanças administrativas, o governo já definiu que a assistência médica aos indígenas deixará de ser feita pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e será transferida para outra área do ministério. Entrevista - MÁRCIO MEIRA Relações livres do paternalismo O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, é historiador formado pela Universidade Federal do Pará e mestre em antropologia social pela Unicamp. Foi da equipe que identificou e demarcou as terras indígenas do Alto Rio Negro, onde vivem índios Tucanos, Barés e Baniwas, entre outros. Aos 45 anos e filiado ao Partido dos Trabalhadores desde 1983, Meira substituiu, no ano passado, o antropólogo Mércio Pereira Gomes na presidência da instituição e foi encarregado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, de implantar uma nova política para o setor. Antes de reformar a fundação mais desprestigiada do Estado brasileiro, Meira terá que negociar com os índios Guaranys uma solução para o problema gerado pelo avanço das fazendas de grãos e gado nas terras indígenas. ;Hoje, os índios já entendem que é inexorável a presença do agronegócio em torno das suas áreas;, constata o antropólogo. Na quinta-feira, ele falou ao Correio no intervalo entre as inúmeras reuniões de planejamento para a reestruturação da Funai. Há um reforço na política indigenista brasileira com o aumento do orçamento e a contratação de pessoal? É um maior aparelhamento do Estado para cuidar, proteger e ajudar na formação dos povos indígenas. O que nós queremos é que o Estado faça valer a lei e não abdique, em momento algum, de fazer valer os direitos indígenas. A questão central é que essa reestruturação e a criação do conselho, além da aprovação do Estatuto do Índio, vão fortalecer a presença do Estado para garantir a proteção dos índios como cidadãos brasileiros. Outro objetivo é a recuperação e o fortalecimento da própria Funai. O segundo aspecto importante é a consolidação do mecanismo de consulta e de participação dos índios nos procedimentos a que lhes dizem respeito. Desde 2007, está funcionando a Comissão Nacional de Política Indigenista. E a criação do conselho, que deve ser aprovada pelo Congresso até 2010, é um instrumento fundamental para a renovação. O Estado brasileiro e a sociedade ainda têm uma visão paternalista sobre a forma de tratar os indígenas. Os índios ainda precisam disso? Ainda existe essa relação paternalista, que pressupõe considerar os índios incapazes, primitivos e sem inteligência. Nós temos é que respeitá-los como cidadãos. Cada um dos 225 povos tem uma relação particular com a formação do Estado. Por isso, temos que protegê-los, o que não é a mesma coisa que paternalismo ou clientelismo. A superação do paternalismo se dará pela presença do Estado democrático de Direito, de acordo com o princípio da alteridade (respeito às diferenças). A cultura indígena é compatível com o desenvolvimento econômico moderno? Durante muito tempo, se dizia que o progresso poderia ser feito a qualquer custo. Hoje, sabemos que não podemos continuar com o mesmo pensamento. Os índios mostraram que eles sempre foram muito mais avançados que os brancos ditos civilizados, que ocuparam a Amazônia há apenas 400 anos e passaram a destruir a floresta. Os índios ocupam a floresta há mais de 13 mil anos e sempre preservaram o meio ambiente. Talvez essa seja a mais grandiosa obra que os povos indígenas brasileiros deram ao planeta. (LR)

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