Brasil

Número de adolescentes em privação de liberdade cresceu 397% entre 1996 e 2008

Especialistas dizem que o índice é consequência da falta de investimentos nas medidas alternativas previstas no ECA

postado em 13/02/2009 07:50
Mais de 11 mil adolescentes e jovens brasileiros terminaram 2008 atrás das grades. São meninos e meninas que cometeram atos infracionais e receberam como sentença a privação de liberdade (que inclui as internações, as internações provisórias e a semiliberdade). O mais recente Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, realizado pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH) a cada biênio, mostra que o número é 397% maior do que o verificado em 1996. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a privação de liberdade é uma medida breve e excepcional, que só deve ser aplicada no caso de grave ameaça ou violência, além de reincidências contínuas. Porém, não é isso o que ocorre nas 27 unidades da Federação. Indicadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que somente 20% das infrações cometidas por adolescentes referem-se a homicídios ou latrocínios (roubo seguido de morte). O ECA prevê que no caso de infrações mais leves deverão ser aplicadas medidas como advertência, obrigação de reparar o dano e prestação de serviços à comunidade. ;Mas, na verdade, você vê muito menino internado por crimes leves, como furtos e ameaças;, revela a defensora pública Daniela Cavalcante Martins, responsável pelo acompanhamento da execução das medidas socioeducativas na Vara da Infância e da Juventude do DF. ;Não há investimento para acompanhar o meio aberto;, diz. O advogado Ariel de Castro, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo (SP), dá outro exemplo do excesso de rigor. ;Apesar de a internação ser uma medida de brevidade e excepcionalidade, ainda existe falta de vagas na semiliberdade. Um grande percentual de internos poderia estar nesse sistema ou na liberdade assistida;, analisa. Ele explica que a maioria dos programas de aplicação das medidas alternativas à privação total de liberdade não recebem acompanhamento e, por isso, juízes e promotores não os consideram confiáveis. Um estudo do Ministério da Justiça, de 2006, mostrou que, em todo o país, há 2.876 técnicos para acompanhar o cumprimento das medidas, o correspondente a 0,19% dos adolescentes atendidos. ;Com a falta de retaguarda no atendimento, o adolescente vai continuar a delinquir, pois fica com a sensação de impunidade;, explica a promotora Selma Leite Sauerbronn. ;Com a falta de estrutura, a liberdade assistida acaba se transformando em sinônimo de impunidade;, diz a deputada Erika Kokay (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF. Brasília No DF, o número de internos, incluindo provisórios e em semiliberdade, passou de 584, em 2007, para 647 no ano passado. Brasília está entre as 10 unidades da Federação que mais internam adolescentes. ;Temos uma série de medidas judiciais para que Brasília tenha um sistema adequado, mas o DF reluta a todo custo. Por ser capital, deveria dar o exemplo;, critica Selma Sauerbronn. A assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça informa que foram tomadas medidas para desafogar o Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), com a reinauguração, em 2008, do Centro de Internação de Adolescentes de Planaltina (Ciap). Um levantamento da Vara da Infância e da Juventude, porém, mostra que o problema não foi resolvido. Embora 80 adolescentes tenham sido transferidos do Caje para o Ciap em dezembro, o efetivo do primeiro aumentou em seguida. Na primeira semana de fevereiro, o Caje abrigava 240 adolescentes, sendo que a capacidade é de 198. O Correio tentou entrar em contato várias vezes com o subsecretário de Justiça do DF, Haendel Fonseca, mas não obteve retorno. Na opinião da presidente da Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco no DF (Amar/DF), Marlúcia Novaes, o ECA é apenas um pedaço de papel para os meninos e meninas em privação de liberdade. ;A realidade é muito doída. Eles são maltratados, têm péssima alimentação e chegam a ser espancados pelos agentes. Sem falar nas drogas, que circulam facilmente nesses locais;, denuncia.

Tendência de queda Para Fábio Silvestre, coordenador do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), desenvolvido pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a tendência é que as internações de adolescentes comecem a diminuir. Ele lembra que o número de meninos e meninas privados de liberdade cresceu no ano passado, mas numa proporção menor do que a verificada entre 2006 e 2008. ;A redução é significativa. Esse crescimento já foi de 28% entre 2002 e 2006. Depois, passou para 4,4% e, agora, está em 2,17%. Ou seja, o avanço progressivo no sistema de privação de liberdade tem diminuído;, afirma. Segundo ele, isso pode ser reflexo da implementação do Sinase, que pode virar lei, caso o Projeto 1.627/07 seja aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o texto. O sistema, apresentado em 2006, tem servido de guia para estados e municípios desenvolverem políticas para os adolescentes infratores. O Sinase prega a prioridade das medidas em meio aberto. Para tanto, incentiva a municipalização dos programas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade. Desafio ;Há um apelo social muito grande para o endurecimento do ECA. Mas ao enjaular o adolescente como bicho, que tipo de resposta a sociedade quer ter?;, questiona o coordenador. Todas as capitais, além de 480 municípios com mais de 50 mil habitantes, estão recebendo recursos da SEDH para implementar os programas de meio aberto. Silvestre diz que o grande desafio do sistema é o reordenamento físico das unidades de cumprimento de medidas socioeducativas em meio fechado e o estabelecimento de projetos pedagógicos para os internos. Com investimento de R$ 50 milhões, a secretaria pretende entregar 42 unidades, incluindo uma no DF.

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