postado em 18/02/2009 09:06
Apesar de ter reduzido em quase 50% a taxa de mortalidade infantil desde 1990, o Brasil ainda não venceu o desafio de garantir a todas as crianças o direito à vida. Se o acesso aos serviços de saúde já é uma realidade ; 77% das grávidas fazem pelo menos seis consultas pré-natais, e 98% dos partos são assistidos por profissionais habilitados ;, o nó está na qualidade. ;O acesso existe. Mas, em 2007, por exemplo, 30% das gestantes não haviam tomado uma vacina antitetânica. Que pré-natal é esse?;, questiona Cristina Albuquerque, coordenadora do Programa de Sobrevivência e Desenvolvimento Infantil do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.
Na quarta reportagem da série sobre os objetivos do milênio (ODM) ; compromissos firmados pelos países da ONU a serem cumpridos até 2015 ;, um levantamento do Correio mostra que, na média, o Brasil tem feito o dever de casa com relação à redução da mortalidade infantil e à melhoria da saúde da gestante. No entanto, ainda há municípios com índices piores do que os verificados nas regiões mais pobres do planeta. ;As metas de redução das mortalidades infantil e materna devem ser alcançadas nacionalmente e em alguns estados. Quando se vai para os municípios, porém, a situação fica mais complicada;, diz Márcio Carvalho, oficial de monitoramento e avaliação do Unicef. ;Ainda estamos muito aquém do que poderíamos na redução da mortalidade infantil;, reconhece Márcio Fávilla, secretário-executivo da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
Com taxa de mortalidade de 13,9 em cada mil nascidos vivos, o Rio Grande do Sul é a unidade da Federação que mais se aproxima do índice observado em países desenvolvidos. Porém, o número é mais que o dobro do registrado nos Estados Unidos (6 mortes por cada mil nascidos). No topo do ranking dos estados onde mais morrem bebês com menos de 1 ano está Alagoas. Em cada mil nascimentos, ocorrem 51,9 mortes. O estado, por sinal, é um bom exemplo das diferenças observadas entre os municípios. Enquanto a cidade de Rolim de Moura registra taxa de 15,8 mortes para cada mil nascidos, o índice em Alvorada d;Oeste chega a 37,67. Mas a pior situação nesse aspecto está no Centro-Oeste brasileiro. Em Nova Nazaré (MT), para cada mil nascidos vivos, 96,77 bebês morrem. Mesmo no Rio Grande do Sul, há municípios com altas taxas. Em Faxinalzinho, localizada na microrregião de Erechim, o número salta para 40, bem distante da média do estado (13,9).
Levantamento do Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis) mostra que 41% dos municípios brasileiros apresentam taxas de mortalidade infantil menores que 15, 51 por mil. Em 51% das cidades, esse índice fica entre 15 e 30. Nos 9% das localidades restantes, as taxas são superiores a 30. Os dados mostram que para melhorar a saúde neonatal não se pode desconsiderar fatores que vão além dos cuidados médicos. Entre 1996 e 2006, por exemplo, a mortalidade infantil caiu cerca de 40% nas cidades com pelo menos 75% de coleta de esgoto urbana adequada. Já onde o saneamento atinge menos de 25% do município, a redução foi de apenas 19%.
Mães
Cristina Albuquerque ressalta que outro ponto fundamental para a redução da mortalidade infantil é a melhoria do atendimento à gestante. Enquanto, na média brasileira, o número de mulheres que morrem em cada 100 mil partos é de 53,4, em Roraima esse índice chega a 93,83. Em alguns municípios, a situação se agrava. Em São Rafael (RN), por exemplo, a taxa é de 1.587,3 mães mortas a cada 100 mil partos. O Rio Grande do Norte, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, tem taxa de 24,94 óbitos por 100 mil nascimentos. Porém, ao se analisar cada município potiguar, percebe-se que há subnotificação. Das 169 cidades, somente 60 enviaram dados ao banco de dados do ministério.
A assistência na hora do nascimento do bebê é outro indicador que, de maneira geral, apresenta resultados positivos. Quase 100% dos partos brasileiros são assistidos por profissionais qualificados. A menor cobertura está em Roraima, com 86,67%. Mas no município de Alto Alegre (RR), o percentual despenca para 35,23%.
Morar bem perto da capital do país não evitou que o casal Lucilene e Francisco Ivan Sales passasse por um susto no nascimento de Isaac, hoje com 1 ano e 8 meses. Em 29 de junho de 2007, a bolsa de Lucilene, 28 anos, estourou. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) a levou ao Hospital Regional de Samambaia, onde os dois moram. ;A médica que atendeu minha mulher disse que não ia interná-la porque não tinha roupa para ela nem roupa de cama. Ela disse que a dilatação era pequena, de 4cm, e que era para a Lucilene esperar lá fora;, conta Francisco, 29 anos.
A decisão da médica fez com que Lucilene desse à luz o pequeno Isaac no banco de concreto em frente ao hospital, contando com a ajuda de auxiliares de enfermagem. ;O cordão umbilical dele foi cortado lá fora. Só então arrumaram roupa e cama para a Lucilene. Meu filho poderia ter morrido;, diz Francisco, que registrou a ocorrência na 23; delegacia de polícia contra a médica. O hospital chegou a instaurar uma sindicância, mas a profissional continua lotada na rede de saúde. Hoje, Francisco processa o Governo do Distrito Federal.
Cuidado integral
O alto índice de reinternações de crianças no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, assustava os médicos que trabalhavam no local. Muitas vezes, os pacientes que recebiam alta voltavam com quadros ainda mais graves. A constatação de que o problema estava na falta de estrutura básica das moradias da região fez com que médicos, enfermeiros e sociedade civil se unissem, criando a Associação Criança Saúde Renascer.
Fundada em 1991 pela clínica-geral Vera Cordeiro, a associação recebeu, em 2007, o Prêmio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Presidência da República. A equipe médica percebeu que não bastava medicar as crianças. Era preciso fazer um trabalho dentro das casas. Hoje, 140 voluntários e 38 funcionários atendem 250 famílias, prestando assistência nas áreas de saúde, profissionalização, moradia, educação e cidadania.
Na sede do projeto e nas outras duas unidades de atendimento, as famílias recebem doações de alimentos, roupas e brinquedos e fazem cursos profissionalizantes nas áreas de beleza, cozinha e artesanato. As crianças também contam com sala de recreação. Há ainda acompanhamento jurídico, psicológico e psiquiátrico. Uma pesquisa de 2007 mostrou o impacto do positivo da iniciativa. Ao entrar na associação, 27% das crianças tinham um bom estado de saúde. Com o programa, o índice cresceu para 59%. Além disso, 77% dos atendidos melhoraram as condições de suas casas. Graças aos cursos profissionalizantes, a renda média das família subiu 45%. O projeto recebeu elogios do economista bengalês Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006. Para Yunus, a iniciativa é ;uma poderosa metodologia de inclusão social para os mais pobres;.