Brasil

Desafios do milênio: Objetivo 7 - qualidade de vida e respeito ao meio ambiente

34,5 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto sanitário, um dos maiores desafios ambientais do país. Situação é mais grave no Piauí, onde quase 30% das pessoas sofrem com o problema

postado em 20/02/2009 08:02
De tão acostumada a viver entre o lixo, a dona-de-casa Valdecina José Mendonça, 43 anos, já nem se incomoda mais com as garrafas de plástico boiando na água suja que passa bem no meio de sua casa, um barraco construído na Vila Guaíra, em Céu Azul (GO). ;A gente limpa, limpa, mas não adianta. As pessoas jogam tudo aqui;, conta, resignada. No terreno irregular comprado das mãos de um grileiro por R$ 70 há nove anos, vivem seis famílias, que dividem o espaço com galinhas e cavalos. As crianças passeiam descalças pela área, dominada por um forte cheiro. Ao contrário da mãe, Shirlei dos Santos Mendonça, 22 anos, dois filhos e grávida do terceiro, não se conforma com a falta de saneamento básico. ;É horrível. Quando chove, então, escorre tudo para dentro de casa;, diz. A situação da família é a mesma de 34,5 milhões de brasileiros que, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vivem sem esgoto sanitário. O número corresponde a 26,8% da população urbana. Um problema que o país precisa contornar rapidamente se quiser cumprir, até 2015, o sétimo Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM), compromisso firmado com as Nações Unidas em 2000. Na penúltima reportagem da série sobre os ODM, levantamento do Correio no banco de dados agregados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, se alguns estados estão próximos de alcançar as metas da sustentabilidade ambiental, outros contam com cobertura precária nos serviços de saneamento básico. Para cumprir o objetivo 7, o Brasil precisa reduzir pela metade a proporção da população sem acesso permanente a esgotamento sanitário. Em 2001, 30% dos brasileiros não tinham esgoto. Seis anos depois, o percentual caiu para 26,8%. No topo do ranking das unidades da Federação com piores taxas está o Piauí, onde quase 30% da população não tem nenhum tipo de esgoto ou fossa séptica. Maranhão, Bahia, Acre, Alagoas e Amazonas vêm em seguida, com índices superiores a 20%. Na outra ponta estão São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Groso do Sul, Espírito Santo e Distrito Federal. Nesses locais, o percentual de domicílios sem esgotamento sanitário é menor que 1%. Dentro de um mesmo estado, porém, a situação dos municípios pode ser bastante diversa. Em Goiás, por exemplo, somente 1,18% dos domicílios carecem de esgoto. Mas em Céu Azul, esse percentual sobe para 29,18%. A estudante Valquíria dos Santos Machado, 14 anos, moradora do Condomínio Santa Maria, conta que a promessa de instalação da rede de esgoto no lugar existe há 15 anos. ;Mas não tem rede, nem asfalto. As crianças se arriscam, brincando nesse buraco quando chove;, diz, mostrando uma vala coberta de lixo. PAC Para a coordenadora do Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis), Luciana Brenner, é preciso olhar para as particularidades do país. ;Como um todo, o Brasil atinge a meta. Mas se formos olhar o número de cidades que ainda estão em situação precária, percebemos que não adianta pensar se o país vai ou não atingir a meta. Temos que nos perguntar: ;Toda a população está conseguindo isso?;;, questiona. O oficial de monitoramento e avaliação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Márcio Carvalho, lembra, por exemplo, que ainda há escolas no semiárido onde não há água, banheiro nem cozinha. ;A meta relacionada a saneamento é bastante complexa de se cumprir. Quando se fala em sustentabilidade ambiental não é só o meio ambiente, mas principalmente as condições de habitação;, acrescenta Ana Rosa M. Soares, oficial de avaliação e monitoramento dos ODM do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Ela ressalta os esforços do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos de R$ 503,9 bilhões em obras até 2010, mas diz que somente o PAC não vai resolver a situação. ;Parece uma questão simples, mas isso não é verdade. Existe ainda o problema fundiário. As favelas crescem e, cada vez mais, é necessário investir em infraestrutura;, diz. Além do saneamento, o país precisará cuidar da habitação. O objetivo 7 também inclui a meta de reduzir em 50% o número de moradores de habitações precárias até 2020. O número de cortiços e assentamentos irregulares diminuiu em comparação a 1992, mas 54,6 milhões de pessoas ainda moram em condições inadequadas, o que corresponde a 34,5% da população urbana do país. A quantidade de moradores de favelas passou de 4,9 milhões para 7 milhões no período, concentrados, principalmente, nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. O dado é de um estudo do Ipea, que usou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 para elaborá-lo. Os pesquisadores concluíram que 7,79% da população urbana sofre com o adensamento excessivo, ou seja, quando mais de três pessoas ocupam um cômodo que serve de dormitório. O indicador pode ser ainda pior porque a Pnad não especifica se o dormitório é um quarto ou um ambiente improvisado, como uma sala utilizada para dormir.
De lixão a parque ecológico A cidade mais antiga do país sofreu durante três décadas com toneladas de lixo que eram despejadas diariamente no Lixão do Sambaiatuba, uma área de manguezal de 4,7 hectares próxima a um lençol freático. Famílias inteiras viviam dos resíduos sólidos, incluindo crianças que trabalhavam no local. Em abril de 2002, a sujeira e a miséria deram lugar a um parque ecológico, considerado hoje o orgulho dos moradores de São Vicente (SP). Além do respeito ao meio ambiente, com coleta seletiva e destino apropriado para o lixo, o projeto levou em conta a necessidade de promover a inclusão social da população. No local, foi montada uma cooperativa para os ex-catadores, que atualmente vivem da reciclagem. Aulas de educação ambiental, alfabetização de adultos e cursos profissionalizantes são algumas das ações desenvolvidas no parque. Os antigos trabalhadores do lixão agora se capacitam em costura, panificação, informática, administração, cooperativismo, entre outras atividades. Para tanto, a prefeitura conta com a ajuda de voluntários da sociedade civil. Viveiros A montanha de lixo foi substituída por viveiros de plantas nativas do mangue, mudas de diversas espécies, hortas pedagógicas e hidropônicas. Lá, também ocorre a reciclagem de pneus, que viram malha asfáltica usada nas ruas do município. Com o Projeto Compostagem, resíduos de poda de árvores e restos orgânicos das feiras populares são transformados no adubo que fortalece as plantas do parque. Em 2007, São Vicente ganhou o Prêmio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da Presidência da República. Além de se destacar na meta 7, de sustentabilidade ambiental, o projeto abrangeu outros quatro objetivos: redução da pobreza, educação de qualidade, valorização da mulher e união pelo desenvolvimento. ;Tenho muito orgulho desse antigo lixão, que transformou as pessoas em seres humanos com dignidade. Eram pessoas que viviam em cima do lixo;, diz o prefeito da cidade, Tercio Garcia (PSB). Ele conta que o projeto, além de gerar renda e proteger o meio ambiente, aumentou a autoestima da população. ;Hoje eles falam: ;Há pouco tempo, vivíamos garimpando no lixo, mas hoje somos exemplo para o mundo;;, diz Garcia.

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