postado em 21/02/2009 08:01
Quando, há nove anos, 191 chefes de Estado assinaram o documento que estabelecia os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), na sede das Nações Unidas, em Genebra, eles se comprometeram a melhorar indicadores de pobreza, educação, saúde, meio ambiente, habitação e igualdade em seus paÃses. A última das metas, porém, se tratava de um chamado para além das fronteiras: o estabelecimento de uma parceria mundial para o desenvolvimento.
A ideia do oitavo ODM, único não mensurável e tema da última reportagem da série, era fazer com que paÃses desenvolvidos ajudassem a diminuir o abismo que existe entre eles e as nações mais pobres. Como não se encaixa em nenhum dos dois casos, o Brasil desempenha um papel intermediário, com uma atuação mais concentrada na Cooperação Sul-Sul (entre paÃses em desenvolvimento). ;Quando o governo federal se engaja em trabalhos de cooperação técnica em inúmeras áreas com outros paÃses, nós trabalhamos na direção do objetivo 8. Sobretudo, com nossos vizinhos. O Brasil, como grande nação que é, tem obrigações com a humanidade;, afirma o secretário-executivo da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Márcio Fávilla.
As parcerias brasileiras ocorrem principalmente na área de cooperação técnica com paÃses da América do Sul, da Ãfrica e de lÃngua portuguesa. Na última quarta-feira, por exemplo, teve inÃcio no Timor Leste o segundo módulo de um curso de agricultura ministrado por um professor do câmpus de Crato do Instituto Federal do Ceará. O paÃs também se destaca na atuação no Haiti, onde, desde 2004, lidera a força militar na missão de paz.
A cooperação em busca do desenvolvimento, porém, deve começar dentro de casa, acredita Luciana Brenner, coordenadora do Observatório Regional de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis). A instituição é uma das responsáveis pelo desenvolvimento do Portal ODM, lançado neste mês para ajudar a monitorar o alcance das metas. Para medir os esforços brasileiros no objetivo 8, os estatÃsticos incluÃram dados sobre acesso à informação e nÃvel de trabalho dos jovens. ;O desenvolvimento se dá por meio das redes. Quanto ao jovem, ele é o futuro e, se existe uma boa taxa de emprego, eles terão a oportunidade de se desenvolver;, explica Luciana.
Desvantagem
Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançado em outubro passado, mostrou que, quanto à oportunidade no mercado, os jovens ainda estão em desvantagem. Entre 1986 e 2006, os brasileiros de 15 a 24 anos ocuparam somente 7,8% dos 14,7 milhões de postos gerados no perÃodo. Dos que estavam ocupados, 60,5% encontravam-se na informalidade.
Moradora de Planaltina de Goiás, Luana Rocha de Brito, 19 anos, está concluindo o ensino médio e tem três cursos profissionalizantes: atendente de farmácia, secretariado médico e gerente de produção. Porém, não consegue emprego em nenhuma das áreas. Até o ano passado, ela trabalhava como arrematadeira de roupas, mas foi demitida. Na segunda-feira passada, acordou cedo para tentar uma vaga de auxiliar de produção de confecção, anunciada no Sistema Nacional de Emprego (Sine). Chegou ao Setor Bancário Sul à s 9h, sem expectativa de ser atendida rapidamente. Luana pegou a senha 111 e, à s 10h30, ainda chamavam o número 50. Assim como ela, havia dezenas de jovens com a carteira de trabalho na mão, aguardando uma oportunidade. ;Mesmo com experiência, com os cursos e sabendo informática, está muito difÃcil. Já distribuà mais de 100 currÃculos;, contou.
No quesito acesso à informação, o paÃs também precisa acelerar, de acordo com as estatÃsticas do Portal ODM. Embora mais de 30 milhões de brasileiros tenham acesso à internet, a maior parte de pessoas conectadas à rede ainda se concentra no Sudeste (55%). As regiões Centro-Oeste e Norte apresentam as piores taxas: 8% e 4%, respectivamente. Nas escolas, o contato com a informação é pequeno e desigual. No Distrito Federal, 85,12% dos estabelecimentos de ensino fundamental possuem computadores com acesso à internet. No Maranhão, o percentual cai para 2,22%. Com relação a laboratórios de informática, Mato Grosso do Sul tem o maior Ãndice de colégios da 1ª à 8ª série com o serviço: 50,69%. Novamente, o Maranhão é o estado com a pior cobertura: 2,22%.
Não é preciso, porém, ir tão longe para constatar a exclusão do mundo digital. Em Planaltina, na Escola Classe 7, nem sequer a lousa branca chegou à s salas de aula. Os professores ainda usam os velhos quadros verdes para passar a lição. O laboratório de informática é um sonho antigo, conta a vice-diretora, Sandra Neuza. ;Até conseguimos uma parceria com o Banco Real, que se comprometeu a doar os equipamentos. Mas nosso problema é fÃsico. Não temos salas suficientes;, lamenta. A escola atende 700 crianças da zona rural de Planaltina e da comunidade carente de Arapoanga.
A supervisora pedagógica, Rosane Secundo, diz que os alunos e professores ficam frustrados com a falta de acesso às novas tecnologias. ;Eles veem nos livros textos que falam de internet, de e-mail, e querem olhar de perto. Os livros de redação ensinam como escrever uma carta, um bilhete, um e-mail. E eles nem sabem como é. Ficamos só com a carta e o bilhete;, diz. Filho de um pedreiro e uma cozinheira, Wesley Teixeira da Silva, 9 anos, aluno da 3ª série, diz que nunca chegou perto de um computador. ;Deve ser legal. Dá para fazer muita coisa, jogar, fazer o dever de casa;, imagina. O menino, porém, nem sabe o que é internet. ;Eu pedi para o meu pai me dar um computador, mas ele disse que é muito caro.;
Renda para ribeirinhos Capacidade técnica, percepção dos problemas da região e uma boa dose de idealismo. Com essa combinação, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Nicolau Priante Filho, doutor em engenharia mecânica, reergueu uma cooperativa de artesãos e pescadores fadada ao fracasso e a transformou num instrumento de geração de renda para as comunidades ribeirinhas de Pai André e Bom Sucesso. Priante diz que a inspiração para o projeto surgiu de uma constatação prática. Depois de muitos anos pesquisando alternativas para pessoas de baixa renda, ele percebeu que os instrumentos com os quais a população trabalhava não eram utilizados pelos beneficiários com todo seu potencial. Problemas operacionais, culturais e de logÃstica inviabilizavam o sucesso das tentativas de implementar ações que tirassem os ribeirinhos da pobreza. ;São pessoas sem status social nem acadêmico. Nossa sociedade protege quem tem uma posição privilegiada e não considera a estrutura da inclusão;, justifica. Em vez de pensar na criação de uma nova cooperativa, o pesquisador resolveu apostar na Coorimbatá, que já existia, mas não funcionava como deveria. Ele entrou não só com a experiência e a técnica, mas com dinheiro do próprio bolso. ;Fomos tidos como malucos;, brinca. Nada do que é produzido ou comercializado pelos artesãos e pescadores vai para o bolso de Priante. Em compensação, se houver prejuÃzos, ele terá de arcar com as perdas. Coisa que, até agora, não aconteceu. Já na primeira tentativa de oferecer os pescados à maior rede de supermercados da região, a resposta foi positiva. ;Tem gente que morre sem conseguir uma resposta. E já conseguimos na primeira vez;, comemora Priante. Juntando a experiência dos pesquisadores cooperados e o trabalho da população, a cooperativa foi adiante e, em 2007, venceu o Prêmio ODM Brasil, da Presidência da República, por estar em consonância com o objetivo 8. ;Quantas pessoas propõem alternativas que não vão para frente? Eu, sinceramente, não esperava ver o resultado em vida;, comemora o pesquisador. (PO)