Brasil

Levantamento indica que os males do cigarro afetam mais as mulheres

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postado em 05/03/2009 08:00
Quando tinha 18 anos, a cabeleireira Jamys Stefany associava cigarro a glamour. ;Achava bonito, elegante;, conta. Hoje, considera o hábito ;horrível;, embora não consiga parar. ;Já tentei, mas consegui, no máximo, ficar dois dias sem fumar. Me deu tremedeira;, diz. Assim como a jovem de 25 anos, 17,5% das brasileiras com mais de 15 são fumantes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. E elas correm mais riscos do que podem imaginar, aponta um levantamento inédito da organização não-governamental (ONG) Aliança de Controle do Tabagismo (ACT). O estudo mostra que, embora o tabaco faça mal para ambos os sexos, as mulheres estão mais suscetíveis aos malefícios do cigarro. Jamys começou a fumar cedo: ;achava elegante;A ginecologista Edina de Araújo Veiga Lion, consultora da ACT, preparou o documento Tabagismo e Saúde Feminina compilando diversas pesquisas que relacionam cigarro a gênero. ;Os estudos científicos provam que, mesmo com doses menores de exposição, a mulher vai ter danos maiores que os homens;, diz. Segundo ela, ainda não se conhece o motivo pelo qual isso ocorre, mas lembra que o organismo feminino é muito diferente do masculino, com o agravante de que a mulher, ao longo da vida, passa por mais mudanças biológicas, como a gestação e a menopausa. Tantas alterações, acredita, podem ter relação com a suscetibilidade às doenças do tabaco. A grande preocupação, segundo a médica, é que, embora o número de fumantes esteja caindo em todo o mundo, a organização internacional Association of European Cancer Leagues constatou que, nos países desenvolvidos, as mulheres estão fumando mais que os homens, principalmente entre jovens. No Brasil, a OMS realizou um estudo em 12 capitais brasileiras e verificou que, aqui, já há uma tendência de aumento do hábito entre as mulheres. O índice de estudantes dos ensinos fundamental e médio dependentes variou de 11% a 27% no sexo masculino e 9% a 24% no feminino. Quarto tipo de neoplasia mais frequente nas brasileiras segundo o Ministério da Saúde (sem considerar o de pele não-melanoma), o câncer de pulmão está crescendo mais entre as mulheres na Europa. Já nos Estados Unidos, é o responsável por 25% de todas as mortes por câncer entre as americanas. Edina conta que, entre os homens, os níveis de mortalidade por esse tipo de neoplasia maligna têm se mantido estáveis ou mesmo caído. Já em relação às mulheres, ocorre o contrário. O câncer de mama, que afeta 51 brasileiras em cada 100 mil, também está relacionado ao tabagismo. O risco de uma mulher desenvolver o tumor aumenta quando o hábito de fumar começa até cinco anos depois da primeira menstruação. Mulheres sem filhos que fumam mais de 20 cigarros por dia também aumentam suas chances de desenvolver a enfermidade. Coração Não é apenas o câncer que afeta as fumantes. A cardiologista Maria do Rocio Peixoto de Oliveira, do Hospital Cardiológico Costantini, em Curitiba, lembra que as doenças cardiovasculares rondam, cada vez mais, pacientes do sexo feminino, principalmente as que têm o hábito do tabagismo. Atualmente, até o período da menopausa, em cada cinco infartos masculinos ocorre um feminino. Já depois dos 50 anos, a diferença cai drasticamente. Para cada dois homens infartados, há um caso entre mulheres. A médica diz que, se parar de fumar, a mulher diminui em 13% o risco de desenvolver esses problemas. Maria do Rocio alerta ainda para o perigo da dobradinha cigarro e anticoncepcional. Segundo a cardiologista, mesmo que sozinho, o tabaco já provoca problemas no aparelho circulatório, uma vez que facilita a criação de trombos nas artérias. Porém, associado aos hormônios da pílula, o risco de um acidente vascular cerebral (AVC) é pontencializado. E mesmo as mais jovens podem sofrer derrames, embora o risco diminua. ;Quem tem mais de 40 tem de abandonar de vez o cigarro ou mudar o método de anticoncepção;, diz. No entanto, a médica revela que a dificuldade para largar o vício é tanta que muitas pacientes preferem largar a pílula ao cigarro. » Áudio: ouça entrevista com a ginecologista Edina de Araújo Veiga Lion, consultora da Aliança de Controle do Tabagismo

Justiça favorável aos fabricantes Comuns nos Estados Unidos, as ações judiciais contra a indústria do fumo ainda são tímidas no Brasil. A Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) analisou 108 decisões e constatou que somente sete foram favoráveis ; total ou parcialmente ; aos autores. ;Há, nas decisões, uma evidente penalização do fumante como único responsável por seus atos e como alguém que merece as respectivas consequências;, analisa a advogada Clarissa Menezes Homsi, que coordenou o levantamento. No fim do ano passado, porém, uma decisão da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou uma sentença que já havia sido proferida em primeira instância, condenando a fabricante Souza Cruz por danos morais e materiais. A sentença foi considerada um marco pela ACT, porque, além de terem reconhecido que a doença da autora está relacionada exclusivamente ao uso do tabaco, os desembargadores utilizaram pesquisas e dados médicos como prova de que a indústria era responsável pelos malefícios causados a Maria Aparecida da Silva durante a época em que ela fumava. Pernas amputadas A mulher entrou na Justiça depois que passou a sofrer de uma doença chamada tromboangeíte aguda obliterante e teve de amputar as pernas. Ela contou que começou a fumar aos 15 anos e, durante três décadas, consumiu dois maços diários de Hollywood. A Souza Cruz foi condenada a pagar R$ 600 mil por danos morais e materiais, além de arcar com despesas médicas e próteses, mais os lucros cessantes (referentes ao que Maria Aparecida deixou de ganhar por causa da incapacidade). O pedido da mulher foi atendido em primeira instância pela juíza Maria Lúcia Ribeiro de Castro Pizzotti Mendes, mas a Souza Cruz recorreu, alegando que a fumante conhecia os riscos do cigarro e que, por isso, era responsável pela doença. Porém, com base no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002, a turma que julgou o recurso não acolheu as alegações da indústria de cigarros. ;Aqui, a relação é de consumo, e a responsabilidade do fabricante se dá independentemente da existência de culpa;, afirmou o relator, Joaquim Garcia. O juiz também deixou claro que a doença foi provocada pelo cigarro. ;No caso concreto, a autora padece de tromboangeíte obliterante, também conhecida por doença de Buerger, cuja literatura médica a respeito é praticamente unânime ao afirmar que a doença manifesta-se somente em fumantes;, concluiu, em seu voto. A Souza Cruz pode recorrer da decisão no próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, mas, para a ACT, o voto dos desembargadores já representa uma tendência de mudança na Justiça em favor dos fumantes e dos familiares.

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