postado em 05/03/2009 21:42
Um homem de 53 anos recebeu nesta quarta-feira (4/03) um novo coração no Instituto do Coração de São Paulo (Incor-SP), divulgou o hospital nesta quinta-feira (5/03). Até aí, nada demais - não fosse o fato de que agora ele viverá com dois corações lado a lado. Em 30 anos, essa é a sexta vez que um paciente passa por essa cirurgia no hospital. O coração sadio foi colocado do lado direito do peito em uma cirurgia que durou cerca de 12 horas e vai auxiliar o coração ;antigo; a exercer sua função de bombear sangue para os órgãos.
O procedimento de acondicionar dois corações em um só organismo repercutiu como algo extraordinário no país inteiro. A verdade, no entanto, é que a técnica cirúrgica, conhecida como transplante heterotópico ; a simples substituição do coração doente por um novo é chamada de transplante ortotópico ; está longe de ser nova, mesmo no Brasil, que até deu sua contribuição na aprimoração da cirurgia capaz de salvar vidas que dificilmente seriam mantidas por meio do transplante convencional.
O primeiro transplante do tipo no país foi realizado em 1992 pelo cirurgião cardiovascular José Pedro da Silva, no hospital da Beneficiência Portuguesa, em São Paulo. Desde então, foram pouquíssimas as novas intervenções do tipo, porque a técnica necessária tem um grau de dificuldade muito maior do que a utilizada nos transplantes ortotópicos - já de alto risco - e porque o implante de um coração paralelo mostrou ser o método correto em apenas algumas situações ; uma delas é quando o receptor do órgão apresenta pressão muito alta na artéria pulmonar, caso do paciente operado em São Paulo.
No mundo, quem primeiro realizou um transplante heterotópico de coração em um ser humano foi o médico sul-africano Christiaan Barnard, em 1974, em seu próprio país. Ele notou que a presença do coração ;velho; ajudava a evitar a rejeição do ;novo; e, na época, a mortalidade por rejeição em transplantes cardíacos era altíssima. Hoje, entretando, quando a rejeição pode ser periodicamente monitorada com instrumentos mais modernos e combatida com remédios, a técnica criada pelo cirurgião revelou-se pouco a pouco útil para outros casos.
Pioneiro
Além do caso da hipertensão pulmonar, condicionante detectada por Barnard e seus contemporâneos, há outras duas situações em que a troca do coração falente resultariam na morte do paciente, e, no caso delas, o pioneirismo na utilização dos transplantes heterotópicos como solução cabe ao Brasil: a equipe de transplantes cardiovasculares do Instituto de Doenças do Coração da Santa Casa de Maceió vem aplicando a técnica desde 1999 ou em pacientes de peso corporal consideravelmente superior ao do doador; ou quando se passa muito tempo entre a morte cerebral deste último e o início do transplante.
O cirurgião José Wanderley Neto, ainda hoje chefe da cirurgia cardiovascular da Santa Casa e vice-governador de Alagoas, explica que, no caso de pacientes com sobrepeso ou peso significativamente maior do que o do doador, a substituição do coração tem altas chances de resultar na morte receptor. ;Ele não teria condições de bombear o sangue para aquele corpo, de dimensões bem maiores;, explica. Já em se tratando de um coração disponível quando aparentemente já é tarde demais ; a família autoriza a doação após a morte cerebral, mas o processo de liberação é demorado e o órgão chega para os médicos já com batimentos fracos ; a implantação de forma paralela também é uma saída. ;Dessa forma não perdermos o órgão, que é precioso é raro, e salvamos a vida de alguém que esteja em estado mais grave e não possa esperar;, diz.
Neto admite, no entanto, que as experiências nessas duas situações ainda são incipientes ; foram apenas quatro pacientes operados em Alagoas do qual apenas um, com sobrepeso, transplantado em 2001, continua vivo. O cirurgião cardiovascular, entretanto, avalia que as observações feitas por ele e pela equipe constituem uma esperança.
;Podemos elevar o número de transplantes. Um homem que pese mais do que uma mulher, ou um adulto que pese mais do que uma criança poderão ter um coração na hora em que ele estiver disponível. Temos um índice de perda de 25% dos corações doados, o que é lamentável;, diz.
Neto, que esteve à frente de todas as cirurgias heterotópicas realizadas na Santa Casa de Alagoas, lembra-se com alegria particular do paciente que permaneceu vivo, um vizinho que pesava cerca de 110kg. ;Jamais pensei que fosse fazer o transplante nele. Ele se queixava de insuficiência respiratória, cansaço, e eu dizia ;pelo que estudei, conheço uma solução para o seu caso, mas é uma cirurgia que eu nunca fiz;. E na época, muito antes da primeira, nem sonhava fazer. Hoje, ele está bem de saúde e tem um filhinho;, conta.
Em ritmos diferentes
Para que o transplante heterotópico funcione, os dois corações do paciente devem bater em ritmos diferentes ; ou seja, não devem exercer a função de bombear sangue para o corpo ao mesmo tempo ; ou então entram em ;competição; e a pressão sanguínea do paciente sobe perigosamente. O tempo das batidas deve ser calculado pelos médicos no momento da cirurgia. Caso haja algum problema, é possível colocar marca-passos para evitar o bombeamento simultâneo.