postado em 16/03/2009 08:13
Há exatos dois anos, José Gomes Temporão assumia o Ministério da Saúde, maior orçamento da Esplanada, em torno de R$ 50 bilhões por ano, incluindo os gastos com pessoal. O tempo à frente da pasta é comemorado. ;É uma taxa de expectativa de vida bastante alta, porque a taxa de mortalidade de ministro é altíssima;, brinca. Pelas contas de sua assessoria, nos últimos 20 anos, dos 14 ministros da área, apenas dois, além de Temporão, superaram a marca de dois anos: José Serra (3 anos e 11 meses) e Humberto Costa (2 anos e seis meses).
Em entrevista ao Correio, o ministro fala, entre outros temas, sobre o fim da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) e a expectativa da aprovação, no Congresso, da Emenda 29, que cria a Contribuição Social com a Saúde (CSS); sobre a quebra de patentes de medicamentos antirretrovirais, usados no tratamento de pacientes com Aids; e também sobre aborto e as posições da Igreja Católica ; que considera descoladas da defesa da vida e da saúde das pessoas.
Formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado em saúde pública e doutorado em medicina, Temporão foi secretário nacional de Atenção à Saúde do ministério que hoje dirige e diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Um técnico à frente do ministério, Temporão também faz um balanço de sua gestão, aponta o que considera seus acertos e algumas frustrações, como a falta de recursos para ampliar serviços e ofertas de medicamentos, além da baixa remuneração dos médicos.
;Falta dinheiro;
O fim da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) ainda reflete nas contas do ministério?
Sim. O principal problema do Mais Saúde (programa que propõe um novo modelo de gestão da saúde) foi a perda da CPMF. Estaríamos hoje com algo em torno de R$ 20 bilhões a mais no orçamento, caso a contribuição tivesse sido aprovada nas bases que o governo propôs. Hoje, graças à economia de recursos de custeio estamos tentando viabilizar alguns projetos, mas não no alcance e nas metas que tínhamos estabelecido. No dia seguinte da votação (pelo fim da contribuição), eu disse que foi um dia ruim para a saúde pública brasileira. E foi mesmo.
Faz dois anos que o senhor assumiu o ministério. Na sua opinião, quais os acertos da sua gestão?
Destacaria alguns pontos. Toda a questão do planejamento familiar e dos direitos sexuais e reprodutivos, os medicamentos de combate à Aids, especialmente o licenciamento compulsório do Efavirenz, termos conseguido colocar o álcool como problema de saúde pública, a conquista da lei seca. Destacaria também a estruturação das unidades de pronto atendimento 24 horas, as Upas. Pretendemos implantar 500 dessas unidades em todo o Brasil até o fim de 2010. Temos ainda ações para reduzir o teor de gordura, sal e açúcar nos alimentos industrializados. E a erradicação da rubéola, uma grande vitória. Fizemos a maior campanha de vacinação do mundo.
E que frustrações o senhor teve à frente do ministério?
A primeira é o financiamento da saúde. Estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgado ano passado chegou à seguinte conclusão: de cada R$ 100 gastos com saúde, em 2005, somente R$ 38 foram gastos públicos. O resto foram gastos privados, de empresas ou famílias. Isso é uma contradição. Na Inglaterra, 85% do gasto total é público. O SUS investe menos de R$ 1 por pessoa ao dia para atender todas as demandas. O (presidente) Barack Obama está preocupado com a saúde nos Estados Unidos e conseguiu criar um fundo de US$ 670 bilhões para resolver a situação. Não preciso falar mais nada. Temos um orçamento de R$ 50 bilhões. Outra questão que infelizmente não avançou foi a gestão. Sempre critiquei o modelo de gestão dos hospitais públicos brasileiros, que remunera mal os profissionais, é ineficiente.
E existe uma alternativa?
Sim. É a Fundação Estatal de Direito Privado. Conseguimos que fosse aprovada em todas as comissões da Câmara e agora está pronta para ir a plenário, mas há resistência. O modelo prevê relações de trabalho com base na CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) e indicadores de desempenho e eficiência, permitindo remunerar adequadamente os profissionais. Não tem nada a ver com terceirização. A fundação é estatal, mas é regida pelo direito privado e as relações de trabalho não serão mais pelo regime jurídico único. Nossa proposta substitui a terceirização e a precarização por um novo modelo estatal, mas regido por uma nova lógica de funcionamento, onde se cobra desempenho e se paga melhor. No Distrito Federal, o governador Arruda está aprovando uma lei de organizações sociais. O mesmo ocorre na Bahia, Sergipe, Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Para 2009, o gasto total com a Aids e a dengue gira em torno de R$ 2,5 bilhões. Destinar esse volume de recursos para essas doenças não pode negligenciar outras áreas?
É um problema óbvio. Se tenho um orçamento finito e limitado e tenho demandas que crescem, não tem jeito, vai faltar dinheiro. E falta dinheiro. Hoje, existe uma grande pressão das entidades de defesa de pacientes de incorporação de novos medicamentos para o tratamento das hepatites B e C, mas não tem dinheiro. Preciso incorporar, mas não temos de onde tirar os recursos. Também precisamos ampliar os centros de tratamento especializado em câncer para que os doentes façam o tratamento com radioterapia. Vai ocorrer? Não, porque falta dinheiro.
O senhor acredita que o fato de ser um técnico ajuda na condução do ministério?
Não. É maneira diferente de fazer política. Não é questão de uma contradição entre a política versus o técnico. Sempre fiz política de saúde. Faço parte de um movimento de sanitaristas que, nos anos 70, questionou o sistema de saúde do país. O mais grave era que só os trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho tinham direito a assistência médica. Com a Constituição de 1988, ocorreu uma mudança radical. Unificamos e universalizamos o sistema, transformamos a saúde num direito. No início da reforma, ocupei cargos na Previdência Social, fui secretário de Planejamento do Inamps, onde começamos a implementar um embrião do SUS (Sistema Único de Saúde). Trago para o ministério esse sentido histórico e acho que isso marca profundamente minha gestão. Não sou alguém que caiu de paraquedas nem estou aqui porque vim de outro projeto. A minha vida como médico sanitarista está ligada à reforma do sistema de saúde. E isso traz marcas, tem estilo e visão. Sempre fui criterioso com a capacidade técnica das pessoas que trabalham comigo.
Qual a expectativa do senhor para o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o aborto de fetos anencéfalos?
Nunca sabemos o que o STF vai decidir, mas o meu desejo é que o Supremo aprove, porque é uma situação de penalizar as mulheres e colocá-las numa situação dramática, obrigando-as a levar uma gravidez até o fim sabendo que essa criança vai morrer.
A posição da Igreja Católica contrária ao aborto ainda tem grande impacto na sociedade. Essa influência atrapalha?
Não apenas sobre o aborto, mas em todo o campo sexual e reprodutivo. Por exemplo, quando a Igreja não aceita o uso do preservativo, expondo as pessoas ao risco de adoecerem e morrerem; ou quando não aceita que as mulheres controlem a sua fertilidade com métodos anticoncepcionais. Nesse campo todo a Igreja tem posições polêmicas que, a meu ver, são totalmente descoladas do que deve ser uma postura diante da defesa da vida e da saúde das pessoas. Um exemplo desse extremo é o caso da menina de 9 anos que sofreu abuso sexual do padrasto em Pernambuco. A garota se enquadrava com clareza absoluta dentro do que a lei brasileira estabelece: em gravidez proveniente de violência sexual, a mulher tem o direito a interromper a gestação. E, no caso, nem se tratava de uma mulher. Era uma menina. Mas fiquei confortado com a postura da sociedade brasileira, que apoiou majoritariamente a atitude dos médicos.
Ouça podcast com José Gomes Temporão