Brasil

Itabira, terra natal de Drummond, aprende a cultuar memória do poeta

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postado em 05/04/2009 11:15
Itabira - A cidade, vida afora, com a distância e as lembranças, foi virando um retrato na parede para o filho Carlos Drummond de Andrade. O poeta, vida afora, foi virando uma presença nas casas e ruas da terra natal. Itabira aprendeu a combinar a concretude do ferro com a sensibilidade da poesia de Drummond. Tudo agora é homenagem e não dói. Itabira tem 105 mil habitantes e fica a 111 quilômetros de Belo Horizonte. Itabira significa pedra dura, reluzente. A ocupação data de 1720, quando os irmãos Francisco e Salvador Faria de Albernaz passaram a explorar ouro no local. Em 1827, foi elevada à categoria de arraial, pertencendo à Vila Nova da Rainha (Caeté). Emancipou-se em 1833 com o nome de Itabira do Mato Dentro. Da exploração do ouro passou à do minério de ferro, principal atividade econômica do município até hoje. A relação do poeta com a cidade percorre sua obra. Mesmo quando ele diz, em Confidência do itabirano, que ;Itabira é apenas uma fotografia na parede;, completa, saudoso: ;Mas, como dói;. No mesmo poema, brota a combinação do ferro com a sensibilidade: ;Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente, nasci em Itabira. Por isso, sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação;. Estátua de bronze está na entrada da fundação que leva o seu nome Só que muitos conterrâneos pareciam não entender essa ligação de ferro do poeta com sua terra. Achavam que ele estava distante, alheio. Demorou, mas a cidade se rendeu aos encantos do poeta e de sua poesia. Hoje, Itabira respira Drummond. ;Se a gente tem um filho tão notável, era preciso realçar a figura dele, merecidamente. A receptividade do itabirano com ele é muito grande;, afirma a superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, Marília de Souza Ramos. Segundo ela, a cidade vai se apropriando da história e da obra do poeta. Mas ela ressalva que o processo é longo. ;Estamos construindo essa história e essa relação da melhor maneira;, diz. O processo a que ela se refere começou na década de 1980, pouco antes da morte de Drummond, com a criação da fundação. Continuou depois de sua morte e não parou mais. Drummond está por toda parte. São muitas iniciativas, além da fundação, que coordena tudo: Casa de Drummond, onde ele viveu; Programa Drummonzinhos, que capacita crianças da cidade para levar turistas a viagens pela obra do poeta; o Memorial Carlos Drummond de Andrade, que tem projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer; e o Museu do Território Caminhos Drummondianos, formado por 44 placas em pontos estratégicos da cidade e que permitem encontros com a poesia em plena rua. Ninguém precisa seguir a ordem das placas para saborear partes da obra e sentir-se perfeitamente à vontade nas ruas percorridas pelo jovem Drummond. Uma dessas placas está diante da centenária Escola Municipal Coronel José Batista, que se chamava Grupo Escolar Carvalho de Brito quando o poeta sentou-se em seus bancos. Nessa placa está o poema Fruta furto, em que, de forma singela, jorra a força da ligação de Drummond com Itabira: ;Atrás do grupo escolar ficam as jabuticabeiras. Estudar, a gente estuda. Mas, depois, ei, pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé. O furto exaure-se no ato de furtar. Consciência mais leve do que asa ao descer, volto de mãos vazias para casa;. Drummond eternizou no poema o pé de jabuticaba da escola; Itabira não fez o mesmo. Nem o prédio original da escola, nem o pé da fruta existem mais. Na nova fase em que a cidade aprendeu a cultuar seu filho ilustre, uma nova árvore foi plantada nos fundos da escola, por ocasião das comemorações do centenário do poeta, em 2002, mas ainda não deu frutos. Jabuticaba precisa de tempo para produzir, como Itabira precisou de tempo para aprender a curtir o poeta maior. Ninguém por lá hesita ao responder quem é Drummond. Na Praça do Areião, bem na entrada da cidade, uma grande estátua em bronze não tem placa indicando quem é o homenageado. Nem precisa, porque todo mundo sabe. ;Aquele é Carlos Drummond de Andrade. Ele é daqui;, ensina o ajudante de caminhão Geraldo Virgílio, de 54 anos, que avisa: ;Todo mundo conhece esse homem;. Há outras representações de Drummond em bronze. Em frente à sede da fundação, Drummond está com as pernas e mãos cruzadas, sentado sobre uma pedra de minério de ferro. Não por acaso, a escultura de Luiz Eugênio Quintão Guerra, o Genin, chama-se Drummond e a pedra, ou seja, novamente o ferro e a poesia. Do lado de fora do memorial, bem no alto do Pico do Amor, de onde se avista grande parte da cidade, outra vez Drummond está sentado, desta vez com um livro nas mãos.

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