Brasil

Quase 11% dos beneficiados pelo Fies estão inadimplentes há pelo menos um ano

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postado em 19/04/2009 08:15
O sonho de entrar para uma universidade virou pesadelo para mais de 50 mil estudantes brasileiros de baixa renda que precisaram custear seus cursos por meio do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Números obtidos com exclusividade pelo Correio mostram que 10,7% dos contratos estão inadimplentes há mais de um ano na Caixa Econômica Federal, que operacionaliza o programa do Ministério da Educação (MEC). O número de devedores, porém, é muito maior. Isso porque os dados do MEC referem-se somente à fase de liquidação, quando as prestações estão atrasadas há mais de 360 dias. Mas o nome dos estudantes e de seus fiadores já fica sujo na praça depois de 60 dias consecutivos sem pagamento. A grande dificuldade dos beneficiários ; que criaram o movimento Fies Justo para reivindicar alterações no programa ; é que a Caixa utiliza a tabela price, na qual são cobrados juros sobre juros. Dependendo do prazo, o valor financiado pode triplicar, e não há possibilidade de renegociar a dívida. Os estudantes que usaram o financiamento querem isonomia em relação aos participantes do antigo Crédito Educativo (Creduc), extinto em 1998. Em 2003, uma medida provisória transformada mais tarde na Lei 10.846/04 perdoou 90% da dívida dos adimplentes e 80% dos inadimplentes. A regra, no entanto, não vale para o Fies. Quem assinou o contrato sob o regime do novo fundo só tem como opção dilatar o prazo de pagamento. Um exemplo das dificuldades pelas quais passam boa parte dos participantes do Fies é o da servidora pública Daiane Vaz Lima, 30 anos, que financiou 70% do curso de engenharia da computação, feito no UniCeub, e agora deve R$ 110.736, além das 12 prestações que já pagou à Caixa. O valor financiado pelo banco foi de R$ 47.710,25. ;Por mais que você pague, sempre tem um saldo devedor remanescente. Eu optei pelo Fies porque não tinha como arcar com o valor da faculdade, mas, se soubesse que seria assim, não teria feito o curso;, diz Daiane, que é casada e mãe de uma criança de 1 ano e 9 meses. No Fies, enquanto ainda está na faculdade, o estudante paga R$ 50 trimestrais à Caixa, para abater os juros. Depois da formatura, dentro de um prazo de carência variável de acordo com cada contrato, a prestação fixa corresponde ao valor que o aluno pagava à faculdade. No caso de Daiane, por exemplo, foram R$ 375. O problema começa na segunda fase de amortização. É quando entram os juros. Dezoito por cento dos contratos desse período estão inadimplentes há mais de 360 dias. Em janeiro deste ano, Daiane, cujo salário base é R$ 1,6 mil, levou um susto. Recebeu o boleto com o valor total de R$ 805,19. ;Quase morri;, diz. A parcela de amortização da dívida caiu para R$ 262,09. Porém, o juro cobrado foi de R$ 507,53, acrescido de R$ 35,57 de encargos. ;Isso é desumano. O governo lança programas educacionais para quê? Para lucrar com isso?;, questiona. Sem condições de arcar com uma parcela tão alta, ela não teve outra opção: parou de pagar a dívida. ;Não queremos prejudicar o fundo, mas queremos que o governo estude um plano que nos permita pagar nossa dívida;, diz Daniela Pellegrini, líder do movimento Fies Justo. Formada em direito, ela deve pouco mais de R$ 20 mil e está na Justiça para tentar renegociar a dívida. ;É preciso levar em consideração também que as pessoas não conseguem emprego fácil logo depois que se formam;, diz. Revisão Para a procuradora da República no estado de Goiás Mariane G. de Mello Oliveira, a cobrança dos juros pela tabela price é ilegal. Em fevereiro, ela entrou com uma ação na Justiça pedindo, entre outras coisas, a revisão dos contratos de todos os estudantes, com a renegociação da dívida. Segundo a procuradora, a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal (STF) proíbe a prática dos juros sobre juros. O texto diz: ;É vedada a capitalização dos juros, ainda que expressamente convencionada;. No início do mês, membros do movimento Fies Justo foram recebidos pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Estiveram no encontro também o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). De acordo com Pimenta, o ministro se comprometeu a enviar ao Congresso Nacional, até o fim deste mês, um projeto de lei reformulando completamente o Fies. A ideia é reduzir 3,5% os juros cobrados atualmente (veja quadro) e permitir que os estudantes paguem parte da dívida prestando serviços. Pimenta pretende apensar um texto de sua autoria, no qual é concedida aos beneficiários do Fies a isonomia dos devedores do antigo Creduc. Na quarta-feira passada, o deputado enviou uma carta à Caixa, pedindo a suspensão das execuções num prazo de 90 dias. Para o senador Cristovam Buarque, a situação dos estudantes pode ser considerada caótica. ;O justo seria cobrar 1% do salário, e só se o beneficiário conseguisse emprego;, diz. Ele defende ainda que os cursos nas áreas em que o Brasil é mais deficitário, como licenciaturas e medicina da família, sejam pagos integralmente pelo governo, independentemente da renda do estudante. Procurada pelo Correio, a Caixa não se manifestou, e ninguém do MEC quis dar entrevista.

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