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Artigo: Cotas raciais - Garantia de acesso

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postado em 25/04/2009 08:01
Daniel Cara* Tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado o Projeto de Lei 180/2008, que reserva 50% das vagas das escolas técnicas e universidades federais para estudantes de escolas públicas, respeitando a proporção étnico-racial de cada unidade da Federação. O projeto ainda destina metade dessas vagas para alunos com renda de até 1,5 salário mínimo ou R$ 697,50 por membro familiar. Bastante debatido pela opinião pública e pelo Congresso Nacional, o projeto recebe o apoio de intelectuais, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e parlamentares. É apoiado também pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação nos marcos da Semana de Ação Mundial 2009, que pressiona governos de todo o mundo pela efetivação do direito à educação de qualidade para todos e todas. Ao mesmo tempo, conecta-se à Conferência de Revisão de Durban (20 a 24 de abril, em Genebra), que reafirmou a declaração e o plano de ação da Conferência de Durban contra o Racismo, Discriminação, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada há oito anos, na África do Sul. O primeiro grande acerto do PLC 180/2008 é o de recolocar a escola pública no centro do debate educacional. Se aprovado, ela passará a ser tratada como um meio real de acesso à universidade de qualidade. Assim, famílias que fazem enorme esforço para pagar mensalidades em escolas com propostas pedagógicas duvidosas retornarão para a educação pública, tornando-a mais valorizada, heterogênea e qualificada. Um dos fatores para a queda de qualidade na educação básica pública a partir da década de 1970 é a debandada dos estudantes de classe média. A escola pública deve ser a escola de todos. Outro mérito do PLC 180/2008 é o de reconhecer as desigualdades étnico-raciais existentes no Brasil. Segundo o Relatório de monitoramento de educação para todos ; Brasil 2008, da Unesco, apenas 6,1% dos negros com idade entre 18 e 24 anos cursam o ensino superior, ou seja, acessam a universidade na idade considerada correta. Nesse relatório, não há dados sobre o acesso da população indígena ao ensino superior, mas com certeza o quadro é ainda mais grave. Parece haver consenso entre os parlamentares que debateram o projeto em audiências públicas na CCJ do Senado quanto à reserva de 50% das vagas para alunos da escola pública. E essa já é uma grande conquista da sociedade civil. Meses antes, nem isso seria possível. Porém, permanecem discordâncias quanto ao uso de critérios étnico-raciais para o preenchimento dessas vagas. O principal argumento contrário é que o projeto promoveria o racismo no Brasil. O único problema é que a segregação racial já existe em nosso país! Ela pode ser verificada nos índices de violência policial contra negros, nas taxas de empregabilidade, no acesso a serviços públicos, além das práticas cotidianas racistas, para não citar exemplos mais graves, como o emblemático caso do índio Galdino, ocorrido em Brasília em 1997. Na criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), foram estabelecidos critérios étnico-raciais no Congresso Nacional. E os resultados são positivos. Pesquisa publicada pela revista da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (julho de 2008) mostra que das 39 universidades federais, 20 já praticam políticas de cotas com bons resultados, sem prejuízos educacionais. Portanto, fica a pergunta: devemos perder mais uma oportunidade de garantir o direito dos estudantes de escolas públicas, dos negros e dos indígenas à universidade de qualidade? Cabe à sociedade brasileira e aos senadores responderem a questão. * Daniel Cara é coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diretor da Campanha Global pela Educação e foi vice-presidente do Conselho Nacional de Juventude entre 2005 e 2007.

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