Jornal Correio Braziliense

Brasil

Arma contra a cegueira

Pesquisadores brasileiros testam técnica inédita com células-tronco para tratar a retinose pigmentar, doença que causa a perda da visão

Em uma experiência inédita no mundo, um grupo de pesquisadores brasileiros tenta recuperar a visão de pacientes com retinose pigmentar usando células-tronco. A doença degenerativa provoca a morte das células da retina e causa desde a perda gradual da visão até a cegueira total e irreversível. Em etapa inicial, a pesquisa está na fase em que os cientistas verificam a segurança do procedimento para os pacientes. Três voluntários, selecionados com critérios, já receberam a aplicação da injeção diretamente na retina e outros dois a receberão na próxima semana. O monitoramento, com exames específicos, será mensal e os primeiros resultados poderão surgir a partir de seis meses. O Brasil tem cerca de 40 mil pacientes com retinose pigmentar, uma doença hereditária que ainda não tem tratamento e pode se manifestar em qualquer etapa da vida. Os pesquisadores ; André Messias e Rodrigo Jorge, do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Rubens Siqueira, da Faculdade de Medicina de Catanduva; e Júlio Cesar Voltarelli, coordenador de transplante de medula óssea do HC e pesquisador do Hemocentro ; batalharam cinco anos para que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde, aprovasse o projeto. Injeções Os cinco voluntários têm até 10% de acuidade visual. Depois de feita a seleção, foram coletadas medulas ósseas de suas bacias e, no Laboratório de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, foram separadas as células-tronco. Em seguida, no Centro de Pesquisas Rubens Siqueira, em São José do Rio Preto (SP), foram feitas as aplicações, com injeções no vítreo do globo ocular (uma espécie de líquido gelatinoso que fica sobre a retina, no fundo de olho). Os pacientes são anestesiados para a aplicação, que demora menos de 15 minutos. Os pesquisadores esperam que as células-tronco liberem substâncias que estimulem o funcionamento da retina e resultem na recuperação da visão. ;Até agora não tivemos complicações, o que demonstra a segurança do procedimento;, diz Siqueira. No relato da primeira paciente, Fernanda Fernandes, 22 anos, houve melhora do campo visual lateral. ;Houve expansão do campo visual e as pessoas notaram que o meu olho está diferente;, diz a estudante de psicologia. Siqueira, porém, diz que é preciso cautela, pois a paciente, devido à ansiedade, pode ter uma impressão de melhora que não corresponda à realidade. Monitoramento No monitoramento mensal, os voluntários serão submetidos à eletrorretinografia (exame que verifica se houve evolução visual) e à angiografia (fotografia da retina). Em pesquisas com animais, relatos apontam avanços a partir de seis meses, mas Siqueira informa que novas aplicações (até quatro em um ano) podem ocorrer, caso sejam necessárias. Para isso, células dos voluntários foram congeladas e armazenadas. As aplicações foram feitas em apenas um dos olhos dos pacientes ; o de pior visão. ;No futuro, poderemos selecionar melhor as células e, se nada melhorar agora, não significará que o resultado esteja perdido, pois poderemos usar outras alternativas;, diz o pesquisador Júlio Cesar Voltarelli. O custo anual com cada paciente deverá ser de cerca de R$ 20 mil, custeados pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Hemocentro. O sucesso nos resultados poderá levar a novos tratamentos com células-tronco no combate a outras doenças de fundo de olho, como a retinopatia diabética e a degeneração macular relacionada à idade.