Brasil

Número de suicídios entre indígenas do Amazonas pode ser oito vezes maior que média nacional

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postado em 29/05/2009 08:47
Informações do Distrito de Saúde Indígena (Dsei) do Alto Solimões revelam que nos municípios amazonenses de Tabatinga, Benjamin Constant, Santo Antônio do Içá, Amaturá, São Paulo de Olivença e Tonantins a média de suicídios registrada em 2008 é de 38,32 para cada 100 mil habitantes. A taxa de suicídios nessa região pode chegar a ser quase oito vezes maior que a média nacional que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), varia de 3,9 a 4,5 para cada 100 mil habitantes. O Dsei Alto Solimões é o primeiro do interior do Amazonas a organizar dados sobre o problema. A equipe atende 42.093 indígenas pertencentes a sete etnias, predominantemente ticuna. A prática de suicídio entre indígenas que vivem na região do Alto Rio Solimões, no sudoeste do Amazonas, deve-se a fatores diversos mas, principalmente, a aspectos culturais e à falta de perspectivas para o desenvolvimento pessoal e profissional desses indivíduos. Essa é a opinião do gerente do Programa de Saúde Mental da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Carlos Coloma. De acordo com ele, o assunto continua sendo uma das principais preocupações não só entre os povos indígenas, mas também entre os profissionais que trabalham com essas populações. ;A morte tem um sentido diferente para os indígenas em comparação à cultura ocidental. Para muitos povos, morrer significa passar para outra vida. Isso pode ser uma das justificativas culturais para a prática. Contudo, a atitude, obviamente, está relacionada a uma questão emocional e pode também ser influenciada pela falta de oportunidades de educação e trabalho. A Funasa ainda não tem essas informações consolidadas, mas pretende identificar esses índices e, a partir daí, realizar o diagnóstico da situação;, avaliou. Discussões sobre a prática de suicídio entre indígenas estiveram em pauta nesta semana em Tabatinga, no Seminário sobre o Enfrentamento de Situações que Colocam em Risco as Comunidades Indígenas do Dsei Alto Rio Solimões. Promovido pela Funasa, com apoio da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o encontro reuniu, entre os dias 26 e 28 deste mês, quase 100 pessoas, entre indígenas e representantes do Poder Público municipal, estadual e de organizações não governamentais, como o próprio Unicef e a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), além de integrantes do Exército e das polícias Civil e Militar. De acordo com Coloma, a taxa registrada no Alto Solimões não é uma das mais altas entre as populações indígenas em comparação a outras regiões mundiais. Ainda assim, torna-se preocupante porque segue uma tendência mundial, que é o número maior de suicídios entre indígenas do que entre não indígenas. A questão apontada deve receber, nas próximas semanas, atenção especial da Funasa. Depoimentos e relatos feitos no encontro em Tabatinga serão utilizados pela instituição para a formulação de um plano que possa combater a incidência de suicídio nas aldeias. Para o antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) José Maria Trajano, os indígenas do Alto Solimões, sobretudo os que vivem mais perto das cidades, estão passando por uma crise de identidade. ;O caso do Alto Solimões se assemelha com o dos índios Guarany, no Mato Grosso, vivido há alguns anos. A crise de identidade é um problema. Esses indígenas já têm um conhecimento tradicional e quando estreitam o contato com o meio urbano, passam a desejar coisas e perspectivas que ainda não fazem parte das aldeias. Não alcançar o objeto de desejo pode gerar entre eles um conflito emocional entre o ter e o não ter, entre os valores tradicionais e os não tradicionais. Muitas vezes, o indígena fica confuso entre querer ter a identidade do povo branco e manter a identidade herdada de seus ancestrais;, avaliou o antropólogo. Nas considerações de Trajano, por causa das dificuldades culturais, de educação formal, falta de profissionalização e falta de oportunidades, os índios acabam se deslocando de suas tradições e modo de vida e ingressando nessa crise. ;A procura pelas drogas é uma das consequências dessa crise. A embriaguez pode favorecer situações de violência ou suicídio;, avalia. O antropólogo acredita que as políticas públicas indigenistas devem considerar as diferenças existentes entre os indígenas que vivem em regiões mais próximas aos centros urbanos e os que vivem de forma mais isolada. ;É o momento de pensar em outras possibilidades de educação e emprego para esses indígenas que estão mais próximos e que têm mais conhecimento e contato com o meio urbano. Isso porque eles também querem manter sua cultura, mas evoluir em educação e trabalhos profissionais;, afirmou.

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