postado em 03/06/2009 08:30
O dinheiro gasto na área mental no Brasil está muito aquém do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda como razoável. Para atender o percentual mínimo de 5% que a entidade internacional sugere, seria necessário dobrar a quantia de R$ 1,2 bilhão aplicada em 2007 pelo governo federal. O valor correspondeu a apenas 2,43% de todo o orçamento do Ministério da Saúde naquele ano. Os dados de 2008 não foram divulgados pela pasta, sob a alegação de que ainda estão sendo fechados. Segundo Pedro Gabriel Delgado, coordenador nacional de Saúde Mental, a ideia é chegar a 4% em três anos. ;Esse é o desejo da nossa área, mas tudo que envolve recursos depende de outros fatores;, conforma-se.
Se o ritmo de incremento na verba for igual ao verificado entre 2002 ; depois da entrada em vigor da lei que orienta a política pública na área ; e 2007, a pretensão de Delgado deve ficar mesmo só na vontade. É que, nesse período, os investimentos subiram da proporção de 2,19% (em relação a todo o orçamento do Ministério) para 2,43%. Ou seja, um aumento de 0,24% em oito anos.
A grande mudança verificada nesse intervalo de tempo está na destinação do dinheiro. O montante aplicado em sistemas hospitalares caiu de 75% da verba para 36%. Enquanto o gasto em serviços comunitários, extra-hospitalares, subiu de 24% para 63%. O dado, considerado um avanço dentro do Ministério da Saúde, que preconiza a redução de leitos no país, tem outras interpretações.
;Não somos contra a expansão de Caps (Centros de Atenção Psicossocial), leitos em hospitais gerais, ambulatórios, mas essa reforma está punindo os hospitais psiquiátricos, com repasse de diárias (pelo SUS) em torno de R$ 25. O resultado é a falta de atendimento para grande parte de usuários. E os que conseguem têm serviços com padrões baixos de qualidade;, ressalta Sérgio Tamai, diretor do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo e membro da Comissão de Acompanhamento da Política de Assistência Psiquiátrica no Brasil da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Asfixia
O Hospital Lopes Rodrigues, em Feira de Santana (BA), recebe em média R$ 29 como diária repassada pelo governo federal para cada um dos 243 pacientes que se tornaram moradores da instituição ; alguns porque precisam da internação, mas a maioria devido ao abandono da família. ;Esse dinheiro é usado para custear alimentação, medicação, espaço físico e funcionários. Ou seja, temos dificuldade para cobrir os gastos;, afirma Sérgio Vianney, coordenador do setor de estatística da unidade.
A instituição, que recebe recursos adicionais da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, administrou R$ 1,5 milhão em 2008, contando os gastos com o atendimento externo que disponibiliza, incluindo internações de curta permanência, consultas, emergência e serviços para o público infanto-juvenil. O Sanatório São Paulo, em Salvador (BA), credenciado ao SUS, cogita fechar as portas se o financiamento não aumentar. ;Estão asfixiando os hospitais psiquiátricos. Mas não pensam nos pacientes que simplesmente não têm para onde ir;, diz Jurema Pires, uma das proprietárias da clínica.
Marcus Vinícius Oliveira, membro da Luta Antimanicomial e professor da Universidade Federal da Bahia, também faz críticas ao financiamento. Mas por razões contrárias. ;Embora tenha havido uma mudança no perfil dos gastos, é grave que os 37 mil leitos existentes ainda consumam parte considerável do orçamento do Ministério da Saúde. É preciso fortalecer a rede aberta;, afirma o psicólogo.
Dentre as ações do Ministério da Saúde na área mental, os hospitais psiquiátricos e serviços relacionados diretamente aos Caps consumiram pouco mais de 50% do orçamento de 2007. Os programas com baixo investimento que chamam atenção são as residências terapêuticas, nas quais os gastos não ultrapassaram os R$ 13 milhões ; menos de 2%. Programas específicos de álcool e drogas também aparecem como uma área esquecida financeiramente. As duas rubricas relacionadas à dependência química não chegaram a receber, juntas, sequer R$ 1 milhão.
Outros países
Estudo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com outras entidades médicas, mostra que em países desenvolvidos o gasto com saúde mental chega a ser o quádruplo do que o Brasil aplica. No Canadá, de acordo com o levantamento realizado em 2006 pela ABP, são investidos em média 11% do orçamento total da Saúde, numa rede bem organizada em três níveis: cuidado primário, secundário e terciário. Esse último diz respeito às internações, voltadas para os pacientes graves.
A Inglaterra aparece como outro exemplo de país que aplica recursos consideráveis na área. Lá, aproximadamente 10% do total da verba da Saúde vão para os serviços mentais, com foco na atenção primária, para prevenir o agravamento de distúrbios. Os Estados Unidos investem em média 6% do orçamento, segundo o estudo, mas existem fontes alternativas, provenientes de seguros de saúde, que não foram contabilizadas.