Os músicos assumiram os lugares em silêncio. Alguns tinham os rostos marcados por lágrimas. Logo, o ar reverberava o melhor da música clássica em homenagem ao maestro Silvio Barbato, uma das vÃtimas do voo AF-447. Parentes, amigos e admiradores do ex-morador de BrasÃlia se reuniram em dois eventos em reverência ao maestro e aos demais envolvidos no acidente: uma missa no Santuário São Francisco de Assis, na 914 Norte, e uma apresentação da Orquestra Sinfônica de BrasÃlia na sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. “Foi a coisa mais difÃcil que já fiz. Ficava me lembrando da regência dele e tive medo de não terminar a música”, disse a soprano Janette Dornellas, que cantou Ave Maria na Igreja São Francisco de Assis. “Conhecia o Silvio há mais de 20 anos. Era amigo de ir comer pizza junto na Dom Bosco.” Além de Ave Maria, os músicos entoaram Prelúdio da Bachiana nº 4, de Villa-Lobos; Ãria na 4ª Corda, de Bach; e Sabiá, de Tom Jobim, sob comando do maestro Joaquim França, ex-assistente de Barbato. “O SÃlvio era carismático. Apesar da posição de maestro fazer com que sejamos amados e odiados, não conheço ninguém que conseguia ficar com raiva dele. Uma personalidade agregadora”, resumiu França. Aproximadamente 500 pessoas se reuniram na igreja, inclusive a irmã do maestro, Silviane. Ela, três primos e dois tios de Barbato vivem em BrasÃlia e devem embarcar para o Rio no sábado. “Os grandes amigos dele estão lá. Queremos ficar um pouco juntos para aguentar esse momento”, explicou Silviane. O amigo e também maestro Cláudio Cohen soube em São Paulo que Silvio estava no avião da Air France. “Recebi uma mensagem e pouco depois tivemos a confirmação. É um Ãcone da música clássica, uma pessoa de espÃrito empreendedor, arrojado, sempre disposto a ultrapassar limites”, comentou Cohen, que conhece Silvio há mais de 25 anos. “É uma pessoa com paixão pelo objetivo de popularizar a música erudita, firme na disposição de lutar para democratizar o acesso a ela”, completou a ex-secretária de Cultura do DF, Maria Luiza Dornas. No Teatro Nacional, mais de 1,3 mil pessoas lotaram a apresentação da Orquestra Sinfônica na Sala Villa-Lobos. Antes do evento, sob a regência do maestro Abel Rocha, titular da Orquestra Sinfônica de São Paulo, o secretário de Cultura do DF, Silvestre Gorgulho, fez breve discurso. Ele ressaltou a importância de Barbato e da soprano Juliana Aquino, outra artista presente no voo, para a música local. “A confirmação da notÃcia de que o maestro Silvio Barbato e a soprano Juliana de Aquino estavam no voo se abateu sobre BrasÃlia com a intensidade de sua carga trágica. Os dois aprenderam a amar essa cidade com um amor do tamanho de seus talentos”, lamentou Gorgulho, que pediu um minuto de silêncio em homenagem a todos os passageiros do voo AF-447. Esperança Em entrevista ao site da revista Época, a violinista carioca Antonella Pareschi, que namorava Barbato havia quatro anos, diz que prefere pensar que jamais perderá o maestro. “A maioria com certeza acha melhor um corpo, um enterro. Eu à s vezes penso que seria melhor não aparecer nada, porque aà jamais teria certeza de que ele está morto. Vou estar sempre com a ideia de que ele pode estar náufrago, quem sabe com uma nativa gostosa, como ele brincava”. Ouça parte do discurso do Secretário da Cultura, Silvestre Gorgulho Ouça trecho da apresentação da orquestra FamÃlia de Juliana à espera de um milagre A famÃlia da cantora brasiliense Juliana Ferreira Braga de Aquino, de 29 anos, passageira do voo AF-447, acredita em um milagre. Mesmo depois de o ministro da Defesa, Nelson Jobim, confirmar que os destroços encontrados no oceano são do avião da Air France, ainda era difÃcil pensar no pior. “A gente tem esperança de que há sobreviventes e de que minha irmã está entre eles. No fim, tudo vai dar certo”, disse ontem o irmão da jovem, Luis Augusto Aquino, 24. Juliana voltava para a Europa depois de férias em BrasÃlia. Faria conexão em Paris e seguiria para Stuttgart, na Alemanha, onde se apresenta em musicais desde 2003. LuÃs participou da conversa que alguns familiares tiveram com o ministro da Defesa no Rio de Janeiro. “Querendo ou não, se há destroços, quer dizer que o avião não explodiu. Então, ainda há chance de haver sobreviventes”, argumentou o jovem. “Nós bombardeamos o ministro de perguntas, querendo saber por que os navios ainda não chegaram lá. Eu, particularmente, acredito que há possibilidade de haver sobreviventes e é nisso que a gente vai se agarrar”, acrescentou. A famÃlia da artista está hospedada desde segunda-feira no hotel Windsor, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da capital carioca. Ali, parentes de passageiros brasileiros aguardam informações sobre as buscas. A companhia aérea arca com as despesas de transporte, hospedagem e alimentação e coloca à disposição deles médicos, enfermeiros e psicólogos. “Viemos para ter mais detalhes, mas não sabemos o que vai acontecer depois”, afirmou o pai da cantora, o aposentado Benedito José de Aquino, 60 anos. O irmão LuÃs contou que, “caso ocorra o pior”, a famÃlia viajará para a Alemanha. Atualmente, a soprano Juliana estava envolvida no musical Wicked, em cartaz no Teatro Palladium, em Stuttgart. Era uma das solistas do espetáculo que conta a história das Bruxas de Oz. Em agosto, a jovem será homenageada no camarote do Brasil no carnavalde Berlim. “Vamos usar músicas dela e postar algumas imagens. Ela faz grande sucesso na Alemanha, é muito querida, tem muito valor”, justificou o arquiteto Chico Vartulli, responsável pelo projeto do camarote. Juliana estudou música na Universidade de BrasÃlia (UnB). Não chegou a se formar porque, antes, passou nos testes internacionais e deixou o Brasil. “Ela é maravilhosa. Dona de uma das vozes mais belas que já ouvi. Uma menina linda fisicamente, que tem uma performance muito interessante”, elogiou a professora de canto Irene Bentley. “Ela é uma das minhas amigas que mais teve sucesso. Sempre foi dedicada, sempre correu atrás dos objetivos”, destacou o músico Valter Amantéa, 30, que por várias vezes dividiu o palco com Juliana.