postado em 04/06/2009 08:26
;A palavra-chave para a esquizofrenia é esperança. Esperança de retomar a vida de alguma forma.; É assim, com absoluta verdade e emoção, que o engenheiro José Alberto Orsi, paulistano de 41 anos, morador da região dos Jardins, encontrou força para lutar diariamente contra a doença que o transformaria. Filho de pai esquizofrênico (e quando o pai ou mãe têm a doença a chance de o filho ter a mesma doença gira em torno de 20%), aos 14 anos, por precaução, a mãe o levou a um psicólogo.
Bom aluno, José era um adolescente como outro qualquer. A única preocupação era o peso. ;Era meio gordinho;, conta. Fazia psicoterapia. Nada de remédios. Aos 17 anos, prestou vestibular para engenharia civil, na Universidade de São Paulo (USP). Foi aprovado. Ao mesmo tempo, cursava a Escola Panamericana de Artes. Aos 22 anos, formou-se em ambas. E começou a trabalhar numa empresa de obras. Aos 27 anos, começaram as dúvidas, as incertezas sobre a vida, profissão e tudo que o rodeava.
Aos 28, uma depressão enorme. O noivado acabou. Vieram as crises de choro e de síndrome do pânico. Viajou para os Estados Unidos com a irmã. Na viagem, o primeiro surto da doença que mais tarde seria diagnosticada. Na volta ao Brasil, não conseguiu mais retomar as atividades normais. Entrou em licença médica. Era o começo da transformação radical que mudaria sua vida para sempre.
Tempos depois, em 1998, voltou para os Estados Unidos. Queria fazer pós-graduação. Lá, teve o segundo surto. ;Achava que era a reencarnação de Martin Luther King e que o FBI estava me perseguindo;, relata. Foi internado numa clínica, levado pela polícia. O diagnóstico: esquizofrenia. Em 2000, a internação na Santa Casa de São Paulo. Em 2001, mais uma internação ; a quarta. Terapia e medicação corretas, todos os dias. Hoje, estabilizado dos sintomas positivos da doença (delírios e alucinação), José é um homem renovado. Deixou a engenharia e as artes e partiu para outras conquistas em sua vida.
Virou diretor adjunto da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre). E foi o grande vencedor na categoria pintura do Projeto Arte de Viver, concurso nacional desenvolvido pela empresa farmacêutica Janssen-Cilag, que está em sua quarta edição e estimula a inclusão social de pacientes com esquizofrenia, com o apoio dos maiores especialistas do país. Hoje, José continua na psicoterapia (a mãe também aderiu), faz tratamento na Santa Casa e toma, religiosamente, a medicação. ;O que acontece muito é o paciente abandonar os remédios quando os sintomas desaparecem.; E lembra, com base na própria experiência: ;A remissão (retorno das funções a níveis quase normais) só acontece em 13% dos casos;.
Família
Quanto mais tardio o diagnóstico, mais difícil o controle do transtorno, que atinge cerca de 1% da população adulta do país, algo em torno de 1,8 milhão de brasileiros. Na terça-feira, num hotel da região dos Jardins da capital paulista, dois dos maiores especialistas do país debateram todas essas questões. Para Hélio Elkis, coordenador do Projeto Esquizofrenia e titular de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, uma das maiores preocupações no tratamento é quanto às recaídas. ;Quanto mais houver surtos, maior o comprometimento das funções psíquicas do paciente.;
O especialista também afirmou que a esquizofrenia não é, como muitos pensam, causada por problemas emocionais ou psicológicos, mas pode ser desencadeada por eles. O psiquiatra Rodrigo Bressan, professor de pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da Unifesp, reforçou a necessidade do envolvimento da família para o controle e diagnóstico da doença. ;Os delírios do paciente são concretos. A medicação controla os sintomas positivos da doença (os delírios), mas não trata os negativos (a perda da capacidade afetiva, por exemplo). Daí, a importância fundamental da família no tratamento;, diz Elkis, que também defende a internação para pacientes em fase aguda.
O ator Bruno Gagliasso, que interpreta um esquizofrênico na novela Caminho das Índias, também participou do evento. Vivendo dia a dia os dramas do jovem Tarso Cadore, ele confirma: ;Toda a família adoece;. E fala não como ator, mas como Bruno: ;Até fazer esse papel, eu era um ignorante. E me perguntava por que não soube disso antes;. Antes de começarem as gravações da novela, ele frequentou uma instituição no Rio de Janeiro onde pacientes esquizofrênicos formaram uma banda. ;As pessoas estão envolvidas e agora muito próximas do assunto;, comemora.
Muito longe da vida de mentirinha da novela de horário nobre, José Alberto, o engenheiro paulistano hoje diretor da Abre, sabe como é a luta para se ficar de pé num mundo que ainda não compreende a diferença. ;É um tsunami, é devastador. E não há nenhum exagero em afirmar isso. Começa no diagnóstico, quando dizem a você que você é esquizofrênico, e se prolonga por todo o tratamento. Resolvi, depois de algum tempo, não esconder de ninguém que sou esquizofrênico. Milito de peito aberto e com muita coragem e singeleza a minha condição.;