postado em 03/07/2009 07:50
Alterações na cena do crime, procura do álibi inconteste e testemunhas convincentes de defesa não figuram entre os únicos ingredientes para escapar da polícia. A chance de um assassino no Brasil ser descoberto pelos investigadores, na verdade, está mais ligada ao local da prática do delito do que a eventuais artimanhas para ludibriar os agentes. No Rio de Janeiro, por exemplo, de cada 100 homicídios, cerca de 15 são elucidados, com identificação do autor. No Distrito Federal, considerado exemplo no país, o número sobe para quase 70. A taxa, em Porto Alegre, gira em torno de 30%. Os dados fazem parte da pesquisa O inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica, realizada por quatro universidades federais e uma particular. Embora tenha sido encomendado pela Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), o estudo se debruçou sobre as apurações nas polícias civis. ;Tentamos englobar também os inquéritos da Polícia Federal, mas não houve muita receptividade para nos passar dados;, lamenta Michel Misse, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que coordenou o levantamento. Segundo Misse, a taxa de elucidação considerada no estudo refere-se ao número de inquéritos policiais que chegaram a ser remetidos ao Ministério Público. ;Verificamos em alguns locais, como o Rio de Janeiro, índices baixos e preocupantes.;
Problemas como falta de efetivo, de equipamentos, treinamento e burocratização excessiva do inquérito foram levantados como fatores para o baixo desempenho na solução dos assassinatos. Na Inglaterra, por exemplo, o índice de elucidação chega a 95%. Misse alerta, porém, que é preciso cuidado antes de comparações. ;Precisamos analisar nossas peculiaridades. Lá, a maior parte dos crimes é de ordem passional, mais fáceis de serem resolvidos;, destaca.
E mesmo quando a polícia consegue chegar ao fim da investigação com a autoria e provas consistentes, o que incentiva o Ministério Público a oferecer a denúncia, a chance de condenação no Judiciário é bem reduzida. Professor do programa de pós-graduação em Ciências Criminais da Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e coordenador do levantamento no estado, Rodrigo Azevedo constatou que, em 2006, 2.177 pessoas foram denunciadas, 302 condenadas, 137 absolvidas e três ações suspensas. ;Claro que nem todos os processos iniciados serão julgados num mesmo ano. Mas a comparação no período de 12 meses serve para mostrar o descompasso entre o dado da denúncia e o desfecho dos casos;, explica o professor.
;Quando autor e vítima não se conhecem, no caso de um latrocínio, por exemplo, fica mais difícil se chegar à autoria, faltam elementos para a prova, tudo isso leva o promotor a não denunciar. No DF, embora também exista esse tipo de delito, ele ocorre em menor proporção do que em outras cidades;, explica Maurício Miranda, promotor do Júri no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Presidente da Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Carlos Eduardo Benito Jorge destaca ainda as falhas na prevenção. ;Nós nos preocupamos muito com o depois do crime. E deixamos de lado as falhas da prevenção, que é feita de forma ostensiva pela Polícia Militar;, destaca Jorge. <--
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--> Eu acho...
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Fotos: Iano Andrade/CB/D.A Press |
;A polícia, muitas vezes, demora a chegar quando o crime ocorre. Eu, por exemplo, fui assaltado e sequestrado no início desse ano. Um colega meu desconfiou do que estava acontecendo e chamou a polícia. Ele passou mais de 10 minutos só para conseguir registrar a denúncia. Quando a polícia chegou, os bandidos já tinham ido embora. Os policiais ainda estavam com a placa errada do meu carro.;
Márcio Camilo, 31 anos, taxista
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;O problema é que a polícia, às vezes, tem envolvimento com os bandidos. Nem digo aqui no DF, acho que isso não acontece por aqui. Mas em locais como o Rio de Janeiro, a gente fica sabendo de coisa desse tipo. É por isso que eu acho que, muitas vezes, não vão atrás de saber quem praticou o crime. Fica tudo como está e a gente vive nessa insegurança.;
Wellington Rosado, 29 anos, autônomo
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-->Inquérito em xeque
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Os pesquisadores envolvidos no estudo destacaram, em suas apresentações durante evento da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) que terminou ontem, em Brasília, a burocratização excessiva do inquérito policial como obstáculo para as investigações. Tal conclusão será usada como bandeira para defender uma ideia apoiada há tempos pela entidade: a simplificação do inquérito como forma de agilizar os procedimentos ou até a extinção da peça de investigação.
;Contratamos os estudiosos e os deixamos muito à vontade, sem saber mesmo no que ia dar a pesquisa. Mas já imaginávamos, devido ao dia a dia na rua, que esse fator do engessamento do inquérito apareceria;, afirma Marcos Wink, presidente da Fenapef . Segundo Wink, a burocratização excessiva da peça, vinculada a prazos e formalidades rígidos, atrasa a investigação e transforma a polícia, cada vez mais, em cartórios. ;Por que não trabalharmos com relatórios mais objetivos? Até porque, na esfera do Ministério Público e do Judiciário, tudo pode ser mudado mesmo, inclusive os depoimentos que colhemos;, destaca Wink.
A argumentação em prol de agilidade, entretanto, esconde uma briga interna entre agentes e delegados de polícia. ;O inquérito só ajuda a manter o poder de delegados, que presidem o inquérito. Além disso, abre espaço para a corrupção porque, ao indiciar alguém, a polícia já faz um pré-julgamento, quando o papel dela deveria ser investigar tecnicamente e elaborar uma peça administrativa;, destaca Cláudio Avelar, presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Distrito Federal (Sinpol-DF). Para Carlos Eduardo Benito Jorge, da Associação de Delegados de Polícia do Brasil, a simplificação do inquérito pode resultar em abusos. ;Quem quer acabar com o inquérito está de olho, na verdade, no carreirão. Querem entrar num posto mais baixo e, sem fazer concurso, chegar ao topo;, afirma. (RM)