Acopiara (CE) e Santa Cruz (PE) ; O programa Um milhão de cisternas (P1MC) completa seis anos ainda distante da meta indicada no próprio nome. Em vez de um milhão, até agora foram construídas apenas 243 mil unidades ; menos de 1/4 do total. A iniciativa, lançada em 2003, é uma parceria da ONG Articulação no Semiárido (ASA) com o governo federal, que bancou mais de 90% dos recursos investidos. Destinado a atender as regiões mais carentes e castigadas pela seca, o programa patina com a falta de recursos. A média anual de investimentos ficou em R$ 73 milhões, o suficiente para construir 47 mil cisternas. O pico foi em 2006, ano da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando foram construídas 68 mil unidades. No ano passado, o número penou para chegar a 24 mil. No atual ritmo, como prevê o próprio governo, o número mágico de um milhão será atingido somente em 2016. O desafio é grande. A proposta do programa é beneficiar 1,1 milhão de famílias que vivem em 1.133 municípios nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e do norte de Minas Gerais. São pessoas carentes, cuja renda mensal per capita é de R$ 31,48, o que caracteriza situação de pobreza extrema. Moram em casas de adobe e taipa ; chefiadas por mulheres, em sua maioria, mas elas dependem da ajuda de programas como o Bolsa Família. E para essas famílias, as cisternas representam a esperança de terem acesso à água em quantidade e qualidade. Poços ou nascentes bancam a água de 63% das famílias. Menos de 10% usam o carro-pipa. Os dados são de um estudo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) para medir os resultados do programa de cisternas. O problema é que mesmo onde o projeto já chegou a solução ainda parece estar longe. Muitas famílias reclamam que a água captada no período das chuvas não tem sido suficiente para toda a estiagem. Assim, continuam recorrendo aos carros-pipas. A água das cisternas é aparada nos telhados das casas e chega aos reservatórios por meio de canaletas. Na região, os pequenos rios não são perenes. Ficam praticamente secos durante a estiagem. Em Santa Cruz (PE), na Chapada do Araripe, distante 650km de Recife, o agricultor Gildenor Pereira de Souza, 59 anos, afirma que as chuvas de maio não foram suficientes para encher a cisterna. ;Foi pouca, a chuva foi pouca.; Durante a visita do Correio, no fim de maio, ele a encheu com a água de um caminhão-pipa. ;A prefeitura também manda, mas esse é do Exército;, informou. Ele diz que a cisterna não resolve o problema. O maior problema na região continua sendo a água potável. ;O nosso sertão é castigado demais com o verão, com a estiagem.; Apesar das dificuldades, a cisterna ainda é o sonho de muitos moradores do semiárido. Em Acopiara, a 345km de Fortaleza, Maria Olindalva de Moura já perdeu a conta das vezes que precisou andar, sob um sol escaldante, para buscar água ; para beber ; no açude mais próximo. Distantes do centro da cidade, os distritos de Acopiara ainda não têm rede de abastecimento de água e esgoto. Orçamento O governo federal já investiu R$ 439 milhões no programa Um milhão de cisternas, mas os recursos caíram bastante nos últimos anos. O Orçamento da União deste ano reserva R$ 60 milhões para o projeto, dinheiro suficiente para 35 mil cisternas. O secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Crispim Moreira, afirma que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) já sugeriu ao presidente Lula dobrar o valor do P1MC no próximo ano. Moreira relata que parlamentares já começam a propor emendas ao Orçamento, destinando verbas para a construção de cisternas. Moreira explica que elas são projetadas para abastecer uma família durante até 10 meses. Mas salienta que o objetivo é o abastecimento de água para beber e cozinhar. Ele reconhece que alguns fatores fazem com que a água captada não seja suficiente. O primeiro é que as pessoas acabam usando a água para os animais e plantas. Para tentar resolver o problema, o ministério já lançou o programa que constrói a segunda cisterna, destinada ao suprimento de hortas e criação de galinhas e porcos. ; A necessidade de cada área afetada Para garantir os resultados do programa, o governo precisa melhorar a distribuição das cisternas. Entre os estados, o Rio Grande do Norte apresenta a maior cobertura, com 46%, seguido por Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Piauí e Bahia, todos com cobertura acima de 20%. O Ceará tem a segunda maior demanda, mas se destaca pelo baixo percentual de cobertura (9%) e, assim como Minas Gerais, tem o pior desempenho. Os dados são de um estudo do Ministério do Desenvolvimento Social divulgado no ano passado. A Bahia é o estado que mais precisa de cisternas. Ao lado de Ceará, Pernambuco e Paraíba, o quarteto corresponde a 52% da demanda total por cisternas no semiárido. A pesquisa analisou também o programa com relação à demanda por município. A cidade que mais precisa das obras tem 76.625 famílias com prioridade para serem atendidas pelo programa. Já aquela com menor demanda, apenas nove famílias. A maioria dos municípios concentra a necessidade de 300 a 1.200 cisternas. Há 593 cidades com esse porte de demanda, o que corresponde a 52,4% do total. Apesar das maiores médias de cobertura serem encontradas nas faixas de menor Índice de Desenvolvimento Humanos (IDH), o estudo diz que ainda não é possível afirmar que o programa tem privilegiado esse perfil de município. Ainda assim, percebe-se que os municípios de maior IDH têm cobertura significativamente menor que os demais. O estudo também levantou os responsáveis pela execução do programa. Metade das cisternas foram construídas pela ASA em parceria com o MDS. Cerca de 15% foram da ASA com outras entidades, 5% do MDS com estados e 1% com os municípios. Em 144 cidades do semiárido, até dezembro de 2006, não haviam sido atendidas pelo programa. Dessas, 15 encontram-se em municípios com índice de aridez elevado. Os dados apontam que o problema do acesso à água ainda é grande no país e depende de parcerias. (AR)